sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Nem de menos...Nem de mais!




Canção das Mulheres


Que o outro saiba quando estou com medo,
e me tome nos braços
sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não saia batendo a porta,
mas entenda que não o amarei menos por que estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude,
e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade, e não se ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem, o outro goste um pouco mais de mim,
porque também preciso fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada, o outro não pense logo que estou nervosa,
ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.


Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo mais um pouco,
em lugar de voltar logo à sua vida, não porque lá está sua verdade,
mas talvez seu medo, ou sua culpa.


Que se começo a chorar sem motivo depois de um dia daqueles,
o outro não desconfie logo que é culpa dele, ou que não o amo mais.

Que se estou numa fase ruim, o outro seja meu cúmplice,
mas sem fazer alarde, nem dizendo
"Olha que estou tendo muita paciência com você!"


Que se me entusiasmo por alguma coisa, o outro não a diminua,
nem me chame de ingénua, nem queira fechar essa porta necessária
que se abre para mim, por mais tola que lhe pareça.


Que, quando sem querer, eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas,
o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que quando me levanto de madrugada e ando pela casa,
o outro não venha logo atrás de mim reclamando:
"Mas que chateação essa sua mania, volta p'ra cama!"


Que se eu peço uma segundo bebida no restaurante,
o outro não comente logo: "Poxa, mais uma?!"

Que se eu eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura,
o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro:


filho,

namorado,

marido,

amigo,


não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva,
mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço,
não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha,

mas apenas uma pessoa:
vulnerável
e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa,

apenas...
"uma mulher".


Lia Luft



A EPIDEMIA DA INFERIORIDADE

Ele começou a vida com todos os obstáculos e desvantagens clássicas. A sua mãe era uma mulher dominadora, de vontade forte, que achava difícil amar as outras pessoas. Casou-se três vezes e o seu segundo marido divorciou-se dela porque o espancava regularmente. O pai da criança que estou descrevendo foi o seu terceiro marido. Morreu de um ataque cardíaco alguns meses antes do nascimento da criança. Como consequência, a mãe teve de trabalhar longas horas desde a mais tenra idade do filho.
Ela não lhe deu nenhum afecto, amor, disciplina ou educação nos primeiros anos da sua vida. Até o proibiu de lhe telefonar quando estava a trabalhar. As outras crianças não queriam saber dele, por isso estava quase sempre sozinho. Foi totalmente rejeitado desde pequeno. Era feio, pobre, mal-educado e detestável.
Quando tinha treze anos de idade o psicólogo de uma escola comentou que provavelmente o rapaz nem sabia o significado da palavra 'amor'.

Durante a adolescência as meninas não queriam saber dele e ele brigava com os garotos. Apesar de um Quociente de Inteligência alto, fracassou na escola e finalmente desistiu de estudar no terceiro ano.
Pensou que seria aceite na Marinha. Eles formavam homens, é o que se dizia, e ele queria ser um Homem. Mas os seus problemas acompanharam-no. Os outros marinheiros riam dele e ridicularizavam-no. Ele defendeu-se, resistiu à autoridade, enfrentou a corte marcial e foi expulso da Marinha com uma dispensa desonrosa.
Ali estava ele – um jovem com pouco mais de vinte anos – absolutamente sem amigos e naufragado. Era pequeno e magro. A sua voz era esganiçada como a de um adolescente. Estava ficando calvo. Não tinha talento, nem habilidade, nem valor. Nada.

Novamente pensou que podia fugir dos seus problemas se fosse morar num país estrangeiro. Mas lá também foi rejeitado. Nada mudou. Enquanto lá esteve, casou-se com uma jovem que era filha ilegítima e trouxe-a com ele de volta aos Estados Unidos. Mas logo ela começou a criar o mesmo desprezo por ele que todos demonstravam. Deu-lhe dois filhos, mas ele jamais desfrutou do status e do respeito que um pai deve ter.

O seu casamento continuou a esfacelar-se. A sua esposa exigia, cada vez mais, coisas que ele não lhe podia dar. Em lugar de aliar-se a ele contra o mundo amargo, como ele esperava, tornou-se o seu mais perverso oponente. Podia derrotá-lo nas brigas e aprendeu a intimidá-lo. Em determinada ocasião, trancou-o na casa de banho para castigá-lo. Finalmente, forçou-o a abandoná-la.

Tentou viver sozinho, mas sentia-se terrivelmente solitário. Depois de dias de solidão, foi para casa e literalmente implorou que ela o aceitasse de volta. Perdeu todo o orgulho. Rastejou. Humilhou-se. Aceitou as suas exigências. Apesar do seu magro salário, deu-lhe algum dinheiro de presente, dizendo que podia gastá-lo como bem entendesse. Mas ela riu-se dele. Zombou das suas frágeis tentativas para sustentar a família. Ridicularizou o seu fracasso. Zombou da sua impotência sexual diante de um amigo que lá estava.
Em certa ocasião, quando as trevas do seu pesadelo particular o envolveram, caiu de joelhos e chorou amargamente.

Finalmente, em silêncio, deixou de lutar. Ninguém o queria. Ninguém jamais o quisera. Talvez fosse o homem mais rejeitado da actualidade. O seu ego jazia despedaçado, feito pó!
No dia seguinte, tornou-se um homem estranhamente diferente. Levantou-se, foi à garagem e apanhou uma espingarda que ali escondera. Levou-a consigo para o emprego, que acabara de arranjar, num depósito de livros.

E de uma janela do quinto andar daquele prédio, logo depois do almoço, no dia 22 de Novembro de 1963, atirou duas balas que esfacelaram a cabeça do Presidente John Fitzgerald Kennedy.

Lee Harvey Oswald, o rejeitado, o detestável fracasso, matou o homem que, mais do que qualquer outro homem na face da terra, personificava todo o sucesso, beleza, riqueza e amor familiar que lhe faltavam. Ao disparar aquelas balas, utilizou a única habilidade que adquirira em toda a sua miserável vida.


Os problemas pessoais de Oswald não justificam o seu comportamento violento, é claro, e eu não tentaria absolvê-lo da culpa e da responsabilidade. Mas uma compreensão do seu tormento interior e da sua confusão ajuda-nos a vê-lo, não só como um perverso assassino, mas também como o homem digno de dó e derrotado em que se transformou. Em cada dia da sua vida, desde os solitários dias da infância até o momento televisionado da sua morte espectacular, Oswald experimentou a consciência esmagadora da sua própria inferioridade.
Finalmente, como geralmente acontece, a sua angústia transformou-se em ira.

A maior das tragédias é que a situação angustiosa de Lee Harvey Oswald não é coisa fora do comum no mundo hoje.
Enquanto outros talvez reajam menos agressivamente, esta mesma percepção consumidora, de insuficiência, pode ser encontrada em todos os caminhos da vida - em cada vizinhança, em cada igreja e em cada ambiente escolar. É particularmente verdadeiro quanto aos adolescentes de hoje.
Tenho observado que a grande maioria dos que estão entre os doze e os vinte anos de idade sentem-se amargamente desapontados com o que são e o que representam. Num mundo que adora os 'super-stars' e os homens-milagres, eles olham no espelho à procura de sinais de grandeza, e encontram apenas um caso terminal de acne.
A maioria desses jovens desanimados não admitirá o que sente porque dói reconhecer esses pensamentos íntimos. Oswald jamais tornou públicas as dúvidas que tinha de si mesmo e a sua solidão - nem lhe teríamos dado ouvidos se o fizesse.

Assim, grande parte da rebeldia, insatisfação e hostilidade dos adolescentes emana dos sentimentos avassaladores e incontroláveis de inferioridade e incapacidade que, raramente, encontram expressão verbal.


Mas os adolescentes não estão de modo nenhum sozinhos nesta desvalorização pessoal. Cada idade apresenta as suas ameaças próprias e únicas ao amor-próprio. Como pretendo discutir, as criancinhas sofrem tipicamente de uma severa perda de status durante os mais tenros anos da infância. Do mesmo modo, a maioria dos adultos ainda está tentando conviver com a inferioridade experimentada no começo da vida. E estou convencido que a senilidade e a deterioração mental no fim da vida frequentemente resultam da crescente percepção que os idosos experimentam de que estão vivendo num mundo exclusivamente de jovens; no qual rugas, dores lombares e dentaduras são assuntos de zombaria; onde as suas ideias estão fora de moda e a sua existência infinita é um peso.
Este sentimento de inutilidade é a recompensa especial que reservamos para os sobreviventes da vida, e não me surpreendo que os idosos frequentemente 'se desliguem' intelectualmente.

Assim, se o sentimento de incapacidade e inferioridade são tão universalmente dominantes em todas as idades da vida actual, temos de nos perguntar:
Porquê?


Porque é que os nossos filhos não podem crescer aceitando-se como são? Por que tantos sentem que não são amados e que são detestáveis? Por que os nossos lares e escolas produzem mais desespero e autodesprezo em lugar de confiança, calma e respeito? Por que todas as crianças têm de bater com a cabeça na mesma velha roda? Estas perguntas são muitíssimo significativas para os pais que desejam proteger os seus filhos da agonia da inferioridade.


Alguns dos pequeninos vão-se sentir tão inferiores
que pensarão que até Deus não poderia amá-los.
Sentem-se tão completamente indignos e vazios,
a pensar que Deus não se importa nem compreende.


Chris era uma criança assim. Escreveu o seguinte bilhetinho ao Dr. Richard A. Gardner,
um psicoterapeuta que trabalha com crianças:



"Querido Doutor Gardner

O que me está a chatear é que há muito tempo uma pessoa grande,
um menino de mais ou menos 13 anos de idade, chamou-me de tartaruga;
e eu sei que ele disse isso por causa da minha cirurgia plástica.
E eu acho que Deus me odeia por causa do meu lábio. E quando eu morrer
Ele provavelmente vai me mandar para o inferno.

Com amor, Chris"

Você é capaz de sentir a solidão e o desespero de Chris?
Que infelicidade para uma criança de 7 anos de idade crer que já é odiada por todo o universo!
Que desperdício de potencial desde o momento do seu nascimento!
Que sofrimento desnecessário suportará por toda a sua vida!

Mas Chris é apenas outra vítima do sistema estúpido e vazio de avaliação do mérito humano
- um sistema que destaca os atributos que não podem ser obtidos pela maioria dos nossos filhos.
Em lugar de recompensar a honestidade, a integridade, a coragem, a habilidade, o humor, o espírito maternal, a lealdade, a paciência, a diligência, ou outras virtudes que eram louvadas antigamente, reservamos o crédito máximo para os jovens inteligentes que 'têm boa aparência' na praia.

Não seria apropriado que abandonássemos esta discriminação desnecessária?

A actual epidemia de insegurança resultou dum sistema totalmente injusto e desnecessário de avaliação dos valores humanos, agora predominante na nossa sociedade. Nem todos são considerados dignos; nem todos são aceites. Pelo contrário, reservamos o nosso louvor e admiração para alguns poucos escolhidos que foram favorecidos desde o nascimento com características que consideramos de alto valor. É um sistema perverso, e nós, na qualidade de pais, temos de contrabalançar o impacto. Este livro procura demonstrar que todas as crianças têm valor e devem receber o direito ao respeito e à dignidade pessoais.  Pode ser feito!

... Espero que o leitor veja com que eficiência (e geralmente sem tomar consciência do facto) ensinamos às nossas criancinhas que o mérito e a aprovação social estão além do seu alcance. Assim, glorificando um modelo idealizado ao qual poucos conseguem igualar-se, criamos um imenso exército de 'joões-ninguém' - que nasceram perdedores e ficaram desanimados da vida antes de realmente ela começar. Tal como Lee Harvey Oswald, voltam-se para cá e para lá, a procurar, em vão, uma solução para o seu vazio e sofrimento interiores. Para os milhões que nunca a encontram, a estrada para o mérito pessoal transforma-se num longo desvio, não pavimentado, que não leva a lugar nenhum.

A questão do mérito pessoal não é apenas uma preocupação daqueles que têm falta dele. Num sentido bem real, a saúde de toda a sociedade depende da facilidade com que os seus membros individualmente podem obter aceitação pessoal.

Assim, sempre que as chaves do amor-próprio parecem estar fora do alcance de uma grande percentagem de pessoas, há uma ocorrência ampla e certa de 'doenças mentais', neurose, alcoolismo, abuso de drogas, ódio, violência e desordem social. O mérito pessoal não é uma coisa que os seres humanos têm a liberdade de pegar ou largar. Precisamos dele e, quando é inatingível, todos sofrem.


Esconde-Esconde - Editora Vida
James Dobson
Psicólogo
(Ler mais em Meditação para a Saúde,
AUTO-ESTIMA, 01/10/2010)