sexta-feira, 18 de abril de 2014

PÁSCOA:
A Oportunidade do Encontro com Cristo


"Perguntei a Jesus o quanto Ele me amava. Respondeu-me: 'Tanto!'
E estendeu os Seus braços e morreu."


ENCONTRO AO CAIR DA TARDE

A festa tinha terminado mal. Caía a tarde do domingo.1 Cansados e taciturnos, dois viajantes voltavam para casa. Entre os farrapos da conversa entrecortada por frases incompletas, suspiros e silêncios, aflorava constantemente a realidade de um facto insuportável, que não conseguiam mencionar nem calar.
Cleofas e o seu amigo2 não podiam afastar do pensamento, a caminho de Emaús,3 a morte brutal do seu querido Mestre, na tarde da sexta-feira. As Suas últimas palavras, a Sua prisão, a Sua condenação, as Suas torturas. E aquele desfecho terrível da cruz.4
"Mais dilacerante do que a indignação pela morte de um inocente, do que dor pela perda de um ser querido, do que o medo de acabarem também eles por ser processados, era a constatação de haverem perdido repentinamente a sua fé e as suas esperanças. Tudo o que havia dado sentido à sua vida ficava agora sepultado atrás da pedra de um túmulo num pequeno cemitério.5
Mais desconcertante do que a própria vida do Nazareno tinha sido aquele inesperado desenlace. Se os Seus ensinos lhes haviam já perturbado todos os conceitos, a crucificação tinha acabado de os transtornar. Aquela morte atroz não entrava em nenhum cálculo imaginável. Eles esperavam um rei invencível e não uma vítima infeliz, mártir do perdão.6
Aquele final, tão infame como absurdo, sem resistência e sem glória, deixara-os completamente desorientados. Que o enviado de Deus fosse humilde, compreensivo com as crianças e as mulheres, amigo dos pobres e amável com os Seus inimigos, já lhes tinha sido difícil de aceitar. Mas que o Libertador de Israel não tivesse sido capaz de Se libertar a Si mesmo, que o Salvador não tivesse feito nada para Se salvar, que o Messias prometido tivesse sido assassinado no patíbulo dos mais abjectos criminosos,7 que o Rei esperado para resgatar o Seu povo do jugo do inimigo tivesse sido executado pelos romanos, era demasiado escandaloso para se poder acreditar. Se Deus existia, se Ele se importava com Israel, era impossível que tivesse consentido semelhante crueldade com Jesus de Nazaré.
Com certeza se tinham enganado. Tinha sido uma ilusão. Um inadmissível equívoco... Devia ser essa a verdade. Tudo havia terminado. E agora regressavam à sua realidade sem futuro. Para o seu vazio de antes. Com o passo pesado de quem já não tem forças para continuar, nem pressa de chegar, porque não vê nada na sua frente...


De súbito, uma terceira sombra aparece no caminho. Um viajante solitário que os alcança e decide acompanhá-los na caminhada. O forasteiro não lhes parece completamente desconhecido, embora não consigam perceber exactamente porquê.
Este caminhante ganha a confiança deles e, do modo mais natural, pergunta-lhes:
- Que assunto é esse sobre que tendes vindo a conversar pelo caminho?8
Incapazes de falar de outra coisa, põem-no ao corrente dos acontecimentos que os entristecem. O seu novo acompanhante deixa-Se informar, arriscando-Se a que Lhe digam:
- És a única pessoa de passagem por Jerusalém que não ficou a saber o que ali aconteceu nestes últimos dias?9
Aqueles homens angustiados têm muito que contar. O forasteiro escuta atentamente o relato que lhe fazem. Parece compreender a profundidade do sofrimento deles, porque não diz uma palavra. Deixa-os falar.
Os homens contam, aos retalhos, a sua dor e a sua desilusão. Falam-Lhe de Jesus, o seu admirado Mestre, "um Profeta extraordinário em obras e palavras, diante de Deus e diante do povo",10 de como os sacerdotes O entregaram para ser condenado à morte, de como O crucificaram... e de como foi sepultado, naquele túmulo que não Lhe pertencia.
- Já faz hoje três dias...
O tempo tem um terrível poder de erosão. Três dias chegam para acabar com a segurança e as convicções destes homens de fé. O desaparecimento do cadáver, complicado pela inverosímil hipótese de um milagre, fê-los afundar ainda mais na confusão.
- Algumas mulheres do nosso grupo foram de manhã cedo ao sepulcro e, como não encontraram o Seu corpo, vieram dizer que uns anjos lhes tinham dito que Jesus estava vivo. Alguns dos nossos correram logo para o local e, realmente, como as mulheres tinham dito, o corpo não estava ali. O túmulo estava vazio...11
Da dolorosa descrição dos factos passam à ainda mais penosa confissão pessoal:
- Nós esperávamos que fosse Ele o libertador de Israel...12
O viajante esperara este momento em que o coração ferido, vencidas já as suas reservas, se abre de par em par, deixando a descoberto as suas ilusões frustradas, as suas perguntas sem resposta.
Quando os caminhantes já chegaram ao fundo, náufragos da sua impotência, quando já disseram tudo, o forasteiro sabe que não têm mais remédio senão escutar. Depois das más notícias dos homens - de morte e de injustiça -, chegou o momento de lhes dar as últimas notícias. Notícias de Vida e de Esperança.
O forasteiro tem uma mensagem da Bíblia para quem já não acredita em nada. E aquilo de que necessitam: uma mensagem de ânimo, que os ajude a entender a sua inquietante realidade.
Nas Suas palavras, que já conhecem e ao mesmo tempo lhes parecem novas, os acontecimentos da véspera vão tomando perspectivas inesperadas. O repugnante crime acaba por ser mais do que apenas um crime. A vítima, mais do que apenas uma vítima. O Seu sacrifício, mais do que apenas um sacrifício. E nas suas mentes ofuscadas pelas sombras da cruz, uma luz irresistível começa a despontar.

Os velhos oráculos tornam-se uma promessa. A história inaceitável transforma-se num testemunho irrefutável. Na perspectiva dos desígnios divinos, a tragédia, o escândalo, a cruz e o túmulo vazio, assumem um aspecto novo. À luz das profecias a figura de Jesus de Nazaré vai-se definindo como o Libertador esperado.
- Não estava dito que o Messias teria de padecer tudo isto para entrar na Sua Glória?
13
Eles escutam-no, ouvindo sem replicar. Alguma coisa, no seu íntimo, lhes diz que o forasteiro tem razão. Que Deus não podia enganá-los. E do fundo do seu ser vai renascendo a fé, em borbotões de esperança, como um verdadeiro manancial que não se pode conter. Os textos mais do que conhecidos tomam nos Seus lábios um sentido tão claro que agora lhes parece mentira não o terem percebido antes.

O Messias incompreendido, rejeitado e crucificado pelos seus, estava anunciado nas Escrituras. Encarnando a terrível experiência do Servo sofredor descrito pelos profetas, o Salvador prometido, de um modo misterioso, através do Seu martírio, redimiria os homens.14
O caminhante acaba a Sua explicação, convidando-os com uma pequena e amável censura a reconsiderar as Escrituras, e a crer na sua incrível mensagem. Terminada, aparentemente, a Sua missão, começa a despedir-se dos que já chegaram ao seu destino. Mas conquistou-lhes de tal maneira o afecto, que aqueles homens emocionados não O deixam ir-Se embora:
- Fica connosco esta noite, que já é muito tarde. Explica-nos mais coisas. Não nos deixes.15
Temem talvez que, sem Ele, tudo volte a ser como antes? Têm medo de voltar a encontrar-se sós na noite das suas dúvidas? O forasteiro aceita-lhes o convite como se já o esperasse, e entra na casa deles para beneficiar da sua hospitalidade.
Depois de lhes ter reconfortado as almas aflitas, chegou o momento de lhes alimentar os corpos famintos. Toma o pão, abençoa-o e começa a reparti-lo...


Naquele instante os discípulos descobrem, atónitos, no estranho visitante o próprio Jesus.16
Não haviam conseguido reconhecê-lo pelas feições do rosto, nem pelo brilho do olhar, nem pelo tom da voz, mas bastou ver-Lhe as mãos marcadas pela maldade humana (uma maldade a que já não se sentiam alheios), abertas naquele gesto familiar de solidariedade, para que a ofuscação da mente desaparecesse e os olhos se lhes abrissem para a realidade espiritual e se encontrassem face a face com o esplendor do Ressuscitado. E eles, que não tinham sabido reconhecer Jesus no Caminhante, nem no Mestre, reconhecem-no finalmente pelo gesto íntimo do Amigo que lhes reparte o pão.
- Não nos ardia o coração enquanto nos explicava as Escrituras pelo caminho? Como não fomos capazes de vê-l'O antes?17
Estes discípulos tinham seguido Jesus durante vários anos. Tinham adquirido uma excelente formação religiosa. Tinham valiosas convicções. Mas naquela tarde tinham perdido de vista o seu Guia. Não foram capazes de reconhecê-l'O porque não esperavam voltar a encontrar-se com Ele.

Como a eles, também a nós a incredulidade e os problemas turvam às vezes a visão. Lamentamos a ausência de Deus na nossa vida, mas os nossos olhos estão cegos para todos os indícios do Encontro. Nem no culto comunitário mais inspirador, nem nas nossas orações mais íntimas, conseguimos perceber a presença divina ao nosso lado.
Quem nunca percorreu o doloroso caminho que se afunda nas trevas do desespero? Quem não conhece a angústia de voltar para trás e caminhar às escuras, perdido e sem ajuda? Quem não sofreu alguma vez por sentir a ausência de Deus? Quem nunca se afastou, na sua vida, desse Deus que parece guardar silêncio?
A queixa de que parece que Deus nos abandona no momento em que mais necessitamos d'Ele solta-se, dolorosa e repetida, dos lábios daqueles que mais se revoltam contra a injustiça e a miséria do mundo. Essa foi a única queixa de Jesus, agonizando na cruz:
- Deus meu, Deus meu, porque Me desamparaste?18

O homem, por mais forte que seja, sente que sozinho não pode fazer frente ao revoltante sofrimento de um mundo onde o mal parece triunfar sempre. Sente que necessita desesperadamente da ajuda de Alguém para poder manter-se firme na luta que acha ser necessária e que não tem sentido sem esse Alguém. A experiência mostra-lhe que é preciso mais valor do que aquele que lhe é possível tirar das suas forças para crer e fazer alguma coisa por um mundo melhor, quando tudo parece opor-se e a maldade prevalece. Que é preciso mais fé do que aquela que é capaz de encontrar por si mesmo para se empenhar numa luta cuja nobreza o encanta mas cujo fim não vislumbra.

O silêncio de Deus é uma pedra de escândalo para a maioria. A uns serve de pretexto para se desinteressarem de tudo o que não seja eles mesmos. A outros permite aventar a hipótese da não existência de um Ser supremo.
Para quem deseja crer, o silêncio de Deus é a prova mais dura da sua fé:
- Se Deus não me escuta, se não me responde, que terei feito? Porque será? Porquê?

Job debateu-se no centro dessa angústia que todos nalgum momento experimentamos, até que descobriu que a censura dos homens ao silêncio de Deus é a de não nos responder como nós desejamos.19 A de não Se pôr ao nosso serviço em vez de nos pormos ao serviço d'Ele. Em suma, de não ser um Deus à nossa imagem e semelhança.
O nosso drama situa-se na rejeição de um Deus que deixa o homem ser homem e que, como Deus, nunca pode deixar de ser Deus. Que, empenhado na nossa procura, nos fala "muitas vezes e de muitas maneiras"20 mas quase sempre incógnito.
Por isso, não é da nossa atribuição julgar Aquele que é o amor e a sabedoria absolutos, pela nossa impressão das Suas intervenções ou abstenções no nosso caso particular. Baste-nos saber que, se não parece agir - do modo imediato e mágico que desejaríamos -, é porque respeita a nossa liberdade - a mesma que defendemos com tanto interesse noutros casos - e prefere agir por nosso intermédio, potenciando a liberdade, a responsabilidade e a fraternidade humanas.
Como os discípulos de Emaús, precisamos de aprender a ver e a ouvir, vencendo os obstáculos do silêncio divino e da surdez ou da cegueira humana, as revelações do Eterno presente.

Quando, como eles, temos a coragem de O convidar a partilhar a nossa existência, a Sua deixa de ser um problema e, em vez disso, transforma-Se na solução dos nossos restantes problemas, capaz de superar as nossas limitações, incluindo a morte. Momento crucial de presença descoberta, mas também de aceitação da ausência. Quando O descobrimos como - sempre - presente, pode desaparecer fisicamente do nosso lado, porque nos deixa a segurança da Sua presença espiritual. Já não é apenas Alguém importante na nossa vida: é a razão dessa mesma vida.21
O Mestre que ilumina sem se impor, cumprida a Sua missão, "desaparece", porque chegou a hora de o discípulo tomar o Seu lugar e preencher com a sua presença a ausência de Deus na vida de outros. Até que o Encontro se produza e que o intermediário possa, por sua vez, ceder o seu lugar. Não há que interferir na intimidade do amor...
Cleofas e o seu amigo, fortalecidos por aquele pão que talvez nem sequer chegassem a comer, recuperam prontamente a sua energia. Já não importam as distâncias, nem os obstáculos nem os temores. Sem esperar um instante, levantam-se e correm a cidade para dizer a todos os que encontrem, a começar pelos amigos, que Jesus, a quem todos julgavam morto, Ressuscitou e Vive Para Sempre.22 Para anunciar aos que sofrem, duvidam e procuram, perdidos na noite das suas lutas, que não estamos sós. Que Alguém está presente, ao nosso lado, esperando que O deixemos acompanhar-nos, por muito que nos desviem os nossos caminhos para qualquer Emaús.


VEM A MIM

A vida tem tristeza, temores e aflição. E nossos sonhos parecem em vão.
Se estamos tão cansados querendo desistir, O nosso Mestre assim nos diz:

Vem a Mim! Com eterno amor te amei, Vem a Mim! Com paciência esperei.
Minha vida dei e Me entreguei, Sofri a cruz por ti,
Volta já para o lar, E hoje vem a Mim.


Lutar, lutar, até cansar, Parece ser assim, Quando vivemos sem ver o fim.
Mas ao sentirmos a firmeza da mão que nos conduz, Não temeremos, nós temos Jesus.

Referências:
1. Texto baseado em Lucas 24:13-35 (cf. Marcos 16:12, 13); 2. Cleofas é talvez o equivalente semita abreviado do grego Kleopatros. Conhecemos com este nome o esposo de Maria, a mãe de Tiago e de José (Mateus 27:55, 56; Marcos 15:40), uma das mulheres presentes na crucificação (João 19:25). O anonimato do seu companheiro de viagem deu lugar a numerosas hipóteses; supôs-se até que pudesse ser a sua própria mulher que regressasse com ele a casa (K. Bornhauser, The Death and Resurrection of Jesus Christ. Bangalore, 1958, págs. 221, 222). A igreja antiga identifica este Cleofas com o irmão de José de Nazaré, o pai adoptivo de Jesus (Eusébio, História Eclesiástica, 3:11, 32; 4:22); 3. Se Emaús ficava a 60 estádios de Jerusalém (Lucas 24:13) - sendo o estádio equivalente a 180 metros -, a distância era de aproximadamente onze quilómetros. A localização desta povoação põe alguns problemas: Amawas está a 30 Km (isto é a 160 estádios como indicam alguns manuscritos). Josefo faz menção de uma colónia militar com o nome de Ammaus, fundada por Vespasiano a cerca de 30 estádios a oeste de Jerusalém (Guerra 7:217). Hoje o lugar que se supõe ter sido Emaús chama-se el-Qubeibe; 4. Sobre o relato da crucificação de Jesus, ver Mateus 27:1-56; Marcos 15:1-41; Lucas 23:1-49; João 19:1-37; 5. Sobre a sepultura de Jesus, veja-se Mateus 27:57-61; Marcos 15:42-47; Lucas 23:50-56 e João 19:38-42; 6. Na cruz, Jesus tinha orado pelos seus algozes, dizendo: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem" (Lucas 23:34); 7. Não podemos esquecer que Jesus foi executado oficialmente, no lugar de Barrabás, que era acusado de sedição e homicídio (Lucas 23:13-25), e que foi finalmente crucificado entre dois malfeitores (Lucas 23:32), salteadores ou bandidos (Mateus 27:38; Marcos 15:26); 8. Lucas 24:15-17; 9. Lucas 24:18; 10. Lucas 24:19, 20; 11. Lucas 24:22-24; 12. Lucas 24:21; 13. Lucas 24:25-27 (cf. 44-48); 14. Entre os textos de Moisés a que Jesus faz alusão, podemos citar Génesis 3:15 e 22:18; Números 21:9; Deuteronómio 8:15, 18, 19; e entre os dos profetas Isaías 40:10, 11; 50:4-7; 52:13 a 53:12; 61:1-3; 63:1-6; Jeremias 33:14-16; Daniel 9:24-27; Miqueias 5:2; Zacarias 9:9 e 12:10; 15. Lucas 24:28, 29; 16. Lucas 24:30, 31; 17. Lucas 24:32; 18. Mateus 27:46; Marcos 15:34 (citando Salmo 22:1). Sobre o sentimento de solidão e abandono de Jesus na cruz, veja-se E. G. White, O Desejado de Todas as Nações (Publ. Atlântico, 1992), pág. 823; 19. Job 42:1-6; 20. Hebreus 1:1-3; 21. Ver como Paulo formula esta experiência em Gálatas 2:20; Filipenses 1:21; 4:13; Colossences 1:27 e 3:3, 4; 22. Lucas 24:33-35. Cf. E. G. White, O Desejado de Todas as Nações (Publ. Atlântico, 1992), pág. 847.

DESPEDIDA ENTRE AMIGOS

A notícia espalhara-se com a rapidez de um relâmpago. Era uma notícia inacreditável, mas sabiam que era verdadeira. Não apenas porque desejavam intensamente que o fosse (como pretendiam aqueles que acreditavam n'Ele), mas porque qualquer pessoa que tivesse conhecido Jesus a fundo, sabia que tinha de ser assim. Jesus não era um sonho da sua imaginação, mas a mais sólida das suas realidades.1
- Por isso se tinham reunido naquela noite,2 na intimidade e no recolhimento expectante daquele sótão,3 os seus seguidores e amigos, desafiando a perseguição decretada por aqueles que não queriam que tivessem razão4 e continuavam a procurar argumentos e a montar guarda a um túmulo vazio.
Todos ali estavam porque um dia, desde aquela primeira vez que se dera a conhecer junto ao Jordão, O tinham encontrado. Era isso que, na realidade, os unia: a amizade de Jesus.

- Camponeses, pescadores, artesãos, donas de casa, funcionários, médicos, militares, operários, mendigos, estrangeiros. Pobres e ricos. Homens e mulheres. Velhos e jovens. Todos juntos. Mais de quinhentos.5
- Ali estava José de Arimateia,6 com outros aristocratas e intelectuais fariseus7, excluídos do Sinédrio, excomungados8 por terem abraçado a nova seita,9 decididos a usar toda a sua influência e talentos fazendo causa comum com os apóstolos do Nazareno.
- Ali estava um centurião romano10 e vários soldados que tinham deposto as armas para se alistar na luta pela paz.
- Ali estava Simão com outros terroristas que tinham fugido à prisão e sobrevivido aos seus atentados, militando agora, com mais valentia do que nunca, já não pela sua ideia de pátria, mas por uma liberdade sem fronteiras nem classes, mais ampla do que todas as liberdades civis.
- Ali estava também Mateus, o ex-cobrador de impostos, com os seus colegas banqueiros, empenhados agora não em aumentar a sua riqueza mas em partilhá-la e em convencer os seus antigos clientes de que o investimento mais rendoso é no tesouro do céu, onde as poupanças estão definitivamente seguras.11
- Ali estava a Madalena12 e várias ex-prostitutas famosas, quase irreconhecíveis, passando despercebidas, libertas, vivendo agora por e para outra espécie de amor.
- Ali havia inclusivamente alguns essénios,13 expulsos do seu mosteiro por terem compreendido que Deus prefere a vida a qualquer espécie de mortificação, e a fraternidade a qualquer espécie de ascetismo.

Eles Ali Estavam, Tão Diferentes Uns Dos Outros, Unidos, Apenas, Porque Um Dia Se Dera Um Grande Encontro Na Sua Vida.

Jesus tinha-os encontrado porque sabia ver e escutar:
- Porque atrás da máscara maquilhada de uma mulher da vida percebeu um pedido de ajuda, diante do qual não quis ficar indiferente.
- Porque atrás dos obstinados argumentos de um doutor da lei percebeu uma insegurança profunda e um desejo sincero de encontrar a verdade.
- Porque no tremor de um homem empoleirado numa árvore percebeu a sede espiritual de um marginal que não suportava mais a sua solidão.
- Porque nos remoques irritados de Marta soube entrever uma enorme necessidade de ser aceita e de encontrar uma escala coerente de valores.
- Porque atrás da curiosidade intelectual de um jovem elegante Jesus descobriu a angústia de um ser insatisfeito, em conflito entre os seus interesses egoístas e a sua sede de ideal.

Que Teria Sido De Cada Um Deles Se Não Tivessem Encontrado Jesus?

- Que teria sido de Maria de Betânia? Teria acabado por ser apedrejada em público pelas pessoas decentes do seu povo, ou continuaria a mesma vida no seu bordel até desaparecer na miséria do esquecimento ou de alguma doença fatal...
- Que teria acontecido ao gadareno e aos outros endemoninhados se não tivessem sido salvos do abismo da sua possessão? Durante quanto tempo os teriam torturado os seus exorcistas até à perseguição e à fogueira que lhes traria a libertação final?
- Que teria acontecido à fé e ao equilíbrio do pai do surdo-mudo, diante do sofrimento sem solução de um filho doente incurável?
- Que teria sido de Nicodemos e de outros teólogos, se não tivessem encontrado a chave da explicação das Escrituras e o verdadeiro sentido da religião? Teriam seguido a fé ou continuado a interpretar utopicamente a Bíblia, à espera da solução dos problemas humanos com a ditadura final de um supermessias?
- Que teria sido de Zaqueu, o chefe dos publicanos, se não tivesse descoberto o segredo da sua felicidade? Por quanto tempo teria continuado a defraudar o fisco e a extorquir os contribuintes para se vingar da amargura da sua frustração?
- Enfim, que teria sido de João, de André, de Cleofas e do seu amigo, e dos demais jovens ricos - ou pobres -, se não tivessem encontrado em Jesus o sentido da sua existência?
Ninguém poderia sabê-lo, nem mesmo eles próprios. Que importava isso agora, se Jesus lhes tinha vindo ao encontro e dado às suas vidas um rumo novo? Também ninguém poderia dizer de que maneira teria Jesus chegado mais uma vez até àquele sótão cheio de recordações.14 Mas que importava isso, ao fim e ao cabo? O essencial é que Ele estava ali com eles. Esse era um milagre, mas não seria um milagre ainda maior que eles ali estivessem com Ele?

O mais prodigioso é que o último encontro que teve com os seus primeiros amigos também dizia respeito a nós, porque Jesus lhes confiou a missão de partilhar com todos o que tinham aprendido nos seus Encontros com Ele.15 E também o encargo de nos dizer que O esperemos, porque voltará. Tão importante notícia não podia ficar no esquecimento entre os legados das memórias dos amigos de Jesus, nem nos arquivos da sua teologia. Estimulados pela alegria e pela urgência, correriam a difundi-la aos quatro ventos. Uns de viva voz. Outros por escrito. Alguns à custa da própria vida.
Aqueles homens e mulheres - nem mais crédulos nem mais dotados do que os outros - seriam capazes de desafiar todos os riscos para nos falar de Jesus, impelidos pela certeza de que cumpriria a Sua promessa.
Ele partiu, deixando aberta de par em par a porta da esperança, insistindo em que haveria de mantê-la sempre aberta. Sem muitas explicações, como Lhe era habitual, dando a entender que, ainda mais do que ser compreendido, para Ele era importante ser esperado. Em vez de nos incitar a olhar para trás, tornando-nos tributários de um passado cada vez mais distante, preferiu convidar-nos a observar o horizonte,

UNIDOS NA ESPERANÇA DO GRANDE DIA, cada vez mais próximo, em que voltará a reunir-nos num Encontro entre Amigos,
QUE NUNCA TERÁ FIM!"16

Unidos, porque enquanto a humanidade tende a instalar classes, categorias, hierarquias ou escalões, Ele apenas quer amigos. Porque enquanto o tempo acumula tradições, instituições e sistemas, Ele prefere manter um corpo unido, uma comunidade e uma família. Porque enquanto somos propensos a lançar os nossos anzóis rivais, Ele deseja lançar uma única rede. Porque enquanto tão facilmente descarregamos as nossas responsabilidades sobre um magistério, um corpo profissional ou um sacerdócio, Ele prefere, muito mais, o nosso testemunho directo.

Jesus assim o quis, porque sabia que, sem a nossa intervenção pessoal, faltaria sempre aos Encontros dos Evangelhos a emoção da transmissão directa. Por isso nos deixou o cuidado de lhes emprestar, todas as vezes, a voz, o coração e a força.

A ÚLTIMA PÁGINA DO EVANGELHO CONTINUARÁ INCOMPLETA ENQUANTO LHE FALTAR O TEU ENCONTRO

Referências: 1. Sobre os relatos da ressurreição, ver Mateus 28:1-15; Marcos 16:1-15; Lucas 24:1-12 e João 20:1-18; 2. Texto baseado em Lucas 24:33-53 e João 20:19-33; 3. Actos 1:3, 4, 13, 14; 4. João 20:19; Mateus 28:11-15; cf. Actos 41:1-31; 5:17-42; 5. I Coríntios 15:6; 6. Mateus 27:57-61; Marcos 15:42-47; Lucas 23:50-56; João 19:38-42; 7. João 19:39 cita Nicodemos entre os "príncipes" ou "principais" judeus (cf. João 3:1). Actos 6:7 fala de numerosos sacerdotes convertidos ao cristianismo, e Actos 15:5 menciona fariseus membros da nova igreja; 8. João 9:22, 34, 35 atesta que a ameaça de excomunhão por conversão ao cristianismo já existia enquanto Jesus ainda estava vivo; 9. O primeiro nome dado ao grupo dos discípulos foi "o caminho" (Actos 19:9, 23; 16:17; 18:25, 26; 22:4), logo a seguir considerado como uma seita (Actos 24:5; 28:22). Os discípulos de Jesus começaram a ser chamados "cristãos" pela primeira vez em Antioquia (Actos 11:26), talvez a partir da perseguição decretada por Herodes Agripa entre os anos 41 e 44 (Actos 12:1-3); 10. Hipótese baseada em Mateus 27:54; Marcos 15:39 e Lucas 23:47; 11. Ver Mateus 6:19-21; 12. O testemunho unânime dos evangelhos considera Maria Madalena a primeira testemunha do Ressuscitado (Marcos 16:9-11; cf. 1-8, 12-14; João 20:11-18; cf. Mateus 28:1-10.); 13. À parte o mosteiro de Qumran, a maior comunidade de essénios de que tenhamos conhecimento é a de Damasco. Em 1897, descobriu-se no Cairo um livro intitulado O documento de Damasco (ou Documento Sadoquita, publicado em 1910), que descreve a "comunidade da nova aliança" que devia instalar-se em Damasco, e que tem muito em comum com a Regra da Comunidade de Qumran. Uma importante conversão de essénios ao cristianismo em Damasco explicaria que Saulo de Tarso aí tivesse organizado uma perseguição (Actos 9:1-27; 22:1-16; 26:12-20); 14. Ver Lucas 24:36-49; cf. João 20:19-23; I Coríntios 15:6. O grande aposento superior de Jerusalém poderá ter sido o mesmo em que tivera lugar a Santa Ceia (Lucas 22:12-23) e a efusão do Espírito Santo no Pentecostes (Actos 1:12 a 2:5). Actos 1:3 diz que Jesus, depois de ressuscitar, deu aos discípulos "muitas provas" da Sua ressurreição "no espaço de quarenta dias"; 15. Ver Mateus 28:16-20; Marcos 16:14-18; Lucas 24:44-49; João 20:21-23; cf. Actos 1:1-8. No texto grego de Mateus, os diferentes elementos da ordem de Jesus não têm a mesma função na frase. Estão todos subordinados a "fazer discípulos". Por conseguinte, Jesus dá uma única ordem: "Fazei discípulos de todas as nações" e explica como o conseguir: indo, ensinando e baptizando; 16. João 14:1-3; Apocalipse 22:20.



Roberto Badenas, Escritor com livros publicados em vários países. Professor de Teologia, licenciado em França e com Mestrado e Doutoramento nos EUA. Exerce neste momento a sua atividade como professor na Facultad Adventista de Teología em Espanha (Links 3I). Textos do seu excelente livro ENCONTROS - um livro recheado, também, de psicologia. Publicadora Atlântico, S. A., Lisboa, Portugal, 1998.