quarta-feira, 19 de março de 2014

O FILHO DO MEU VIZINHO


Estamos no Outono. Tudo na minha aldeia respira serenidade, e o mesmo acontece com a estrada aonde o nosso caminho vai morrer. As crianças regressaram da escola; as mais crescidas e as mais pequenas; as principiantes para as quais a escola é motivo de assombro porque nada sabiam dela, e as mais adiantadas, as do ensino secundário, que já a conhecem por dentro e por fora e fervem de impaciência na antecipação do novo ano, em que têm de optar por um novo caminho, seja ele a carreira, a universidade ou o emprego.
No interior dos lares, nas quintas ou nas ruas, também os pais se sentem cheios de preocupações. O Verão trouxe-lhes um convívio mais íntimo com os filhos; daí um sentimento de orgulho, de vago sobressalto, de exasperação ou de esperança. Nunca houve para os pais época mais difícil do que esta em que vivemos. Todos conhecemos demasiadamente bem esta verdade: o mundo que os nossos filhos vão enfrentar não é aquele que, com a mesma idade, encontrámos. Por, isso, duvidamos da nossa aptidão para os ajudar. E eles, por seu lado, acham que os pais são pouco esclarecidos.
Existiu sempre nos jovens uma fase em que eles se sentem incompreendidos, enquanto a maturidade não se encarrega de os brindar com o estado de espírito comum a esta fase da vida e com a sensatez capaz de afugentar os miasmas. Contudo, os nossos filhos acusam, cada vez com maior intensidade, a dolorosa febre de uma independência crescente. Chegam afinal à seguinte conclusão: os pais e os professores não sabem o suficiente deste nosso mundo em rápida transformação para merecerem confiança; por isso, serão eles próprios - os jovens - quem se encarregará de apurar a autenticidade dos factos.

Conscientes deste afastamento, os pais leem os periódicos e ficam sabendo o que se passa com os filhos dos outros. Leem notícias acerca de rapazes - não crianças mas jovens - que dão em roubar, torturar e assassinar pessoas inocentes que nem sequer conheciam. E, afinal, muitas vezes não se trata de filhos de pais desonestos. Podem ser filhos de gente respeitável e trabalhadora que se esforça por construir para os filhos bons lares de ambiente aceitável. Esses pais recusam-se a acreditar que os jovens algemados pela polícia sejam os seus filhos.
- Foram sempre tão bons rapazinhos! - exclamam esses pais.
- Porque os deixaram andar a vadiar pelas ruas? - contrapõe a polícia. - Porque não trataram de apurar por onde andavam eles à meia-noite?
E os pais não sabem que responder. Quem conhece os adolescentes de hoje - não só os rapazes como igualmente as raparigas - sabe que não é fácil conseguir saber onde eles se encontram à meia-noite. Como não depositam confiança nos pais, não os respeitam. Afirmam a sua independência e pensam que dela faz parte andarem por onde lhes apetece. Que poderá fazer um casal de meia-idade quando um filho robusto e com um corpo já de homem, se recusa a obedecer? Que espécie de castigo poderá aplicar uma pessoa de idade a um jovem? Este ri-se das ameaças paternas e despreza toda e qualquer espécie de exortação.
- Não estou disposto a aceitar leis de ninguém - eis o que ouvi gritar a um jovem na casa de um excelente homem, seu pai e meu vizinho.
O rapaz, que mede cerca de um metro e noventa, largou de casa enquanto o pai ficava a olhar para mim.
- Que hei-de eu fazer? - perguntou, desanimado.
- Não faço ideia nenhuma - respondi eu, igualmente descoroçoada.
De regresso a casa, fiquei-me a reflectir na pergunta e na minha resposta. Conhecendo o pai como conheço, senti, ainda assim, pena do filho e, conhecendo este, achei-me do mesmo modo a lamentar o pai. Como foi possível que o filho do meu vizinho, que conheci quando ele era um bebé de caracóis a ensaiar os primeiros passos, se convertesse naquele rufião? Era, nessa altura, um bebé simpático; sorridente e afável. Hoje nada possui de simpático, e o seu sorriso, geralmente, não passa de uma careta de sarcasmo. Que terá acontecido? Os pais são criaturas simples e boas. A mãe tirou um curso secundário; o pai andou na escola técnica e ganha um bom ordenado como mecânico. Têm mais dois filhos: uma rapariga nos primeiros anos de um curso secundário e um rapaz mais novo. Também esses foram bebés sorridentes, mas também eles se encontram actualmente longe de ser crianças felizes. E, no entanto, o seu lar é bastante agradável e desfrutam daquele conforto que hoje se considera imprescindível. A família frequenta a igreja com certa regularidade, embora os filhos considerem essa mesma igreja mais como um centro social do que como uma fonte religiosa. A mãe nunca trabalhou fora de casa. Raramente vai a algum lado excepto à reunião mensal do seu clube; é boa cozinheira e excelente dona de casa. A família lê muito pouco, mas gostam de música popular e possuem um televisor que, de vez em quando, ocasiona discussões pois os pais não gostam de ver os filmes de violência que os filhos apreciam como espectáculo.
Que as crianças de hoje adorem cenas de violência - eis um facto significativo. É por albergarem na alma uma irritação de tal modo cravada lá no fundo que nem dão por ela. A sua ânsia é atingirem violentamente, mesmo que seja de forma indirecta, um mundo que os aterroriza. Eis o perigo! A juventude, quando feliz, adora a vida e a beleza.

Que haverá de errado em casa do meu vizinho? Quem quer que lá entre dirá que se trata de um lar extremamente agradável. Tudo o que em termos de mobiliário e de equipamento se considera digno de um lar ali se encontra, e o mesmo parece acontecer em relação aos pais e aos filhos. Mas, quando lá se permanece por algum tempo, invade-nos a estranha sensação de nos encontrarmos numa casa vazia. Verdadeiramente, nada ali existe de vivo, a não ser talvez a mãe na cozinha. Não sei por que motivo a casa me dá a impressão de vazia. Depois de reflectir um pouco sobre o assunto, parece-me que ela não se encontra integrada na corrente da vida dentro da comunidade, da nação e do próprio mundo. É uma espécie de ilha isolada, que luta pela sobrevivência nesta rápida maré de transformações. Mas nós - seres humanos - precisamos uns dos outros, quer dos vizinhos quer do nosso semelhante longínquo. O alheamento do indivíduo, ou da sua nação ou da sua raça, seja ele voluntário ou forçado, conduz a resultados perigosos. É-nos necessário alimentarmo-nos constantemente da corrente da vida humana: de outra forma, morreremos à sede.
A rebelião do filho do meu vizinho é inevitável e justa. Revolta-se - inconscientemente - e portanto com toda a sua energia - contra o jazigo que é a sua casa. Nada tem que fazer dentro dela. Ah, sim, há certos trabalhos, mas porque esforçar-se em proveito de uma sepultura? Que sentido tem para ele manter limpo o carreiro de casa, lavar janelas ou varrer a cave? Tudo isso não passa de partes da mesma sepultura.
Já lhe interessa lavar o carro e até passar um ou dois dias a tratar dele porque num carro existe vida. Pode até levá-lo para longe de casa. Mas dentro desta tudo se mantém, tanto quanto ele se lembra, imutável. Em vinte anos, o pai não mudou de maneira de ser nem de opinião, e vinte anos para o rapaz representam uma vida. A mãe, essa fala pelos cotovelos mas não tem, na opinião do filho, ideias para além do custo da vida e do desejo de ter um frigorífico novo que o pai não lhe pode comprar. O filho é demasiado jovem para compreender a singela sabedoria da filosofia paterna e a atitude concordante da mãe.

Descobriram os pais que uma taça só pode receber o que nela caiba. E uma chávena de cozinha e uma chávena de vida são a mesma coisa. Só contêm aquilo que podem conter. Os pais contentaram-se com o que têm. É, afinal, uma modalidade de sabedoria. Chamem-lhe resignação se assim o entenderem.
Mas os jovens não se podem resignar, a não ser que os tenham magoado ou deformado. Recusam-se a acreditar que a vida, não seja mais do que o conteúdo de uma taça. Tem de haver mais lá fora, em qualquer sítio, que não em casa. Há-de haver alegria, paz, segurança, camaradagem, compreensão e comunhão de ideias. Se assim não fosse, de que valeria nascer? E os jovens têm razão. É que também eles possuem a sua sabedoria.
Nesse dia, o meu vizinho viu aquele filho, tão alto e tão forte, saltar para dentro do carro da família e afastar-se a toda a velocidade. Li-lhe nos olhos um desânimo gelado e no rosto um profundo desespero.
Eis o que me disse então o meu vizinho:
- Devíamos tê-lo mandado para o Exército aos dezasseis anos.
Protestei contra semelhante abdicação.
- Oh, não diga isso! Isso significa que não sabemos construir um mundo que tanto sirva para os novos como para os velhos.
- Fiz quanto pude - tornou ele. E, voltando costas, entrou em casa e fechou a porta.
Aquela casa encontra-se realmente vazia, e eu não censuro o filho por saltar para dentro do carro e se afastar dali. Contudo, sei que o meu vizinho tem razão quando afirma ter feito quanto lhe foi possível. Encontra-se a braços com uma tarefa de tal modo gigantesca que não existe homem capaz de a realizar.

Toda a comunidade deverá ajudar os pais neste problema dos filhos e das filhas. Os professores não se podem limitar a ensinar nas escolas; os pregadores, a salvar almas; a polícia, a prender os delinquentes; os pais citadinos, a ocupar-se simplesmente dos problemas da cidade. A todos eles cumpre unirem-se para ajudarem os pais a modelarem os filhos.
Nos países antigos, em que a unidade social é uma grande família, em que os avós e os pais, tios, tias e primos vivem todos juntos e funcionam como uma comunidade, as crianças pertencem a todos. A comunidade familiar é, em si própria, o fluxo da vida, que vai desaguar na nação e no mundo. Mas, duas pessoas que lutam pelo sustento diário, na nossa sociedade altamente competitiva e numa época flutuante, não podem, simultaneamente alimentar, vestir, educar, treinar e inspirar uma família de crianças irrequietas e cheias de vida.
Não há dois pais que possuam força para tanto. E quando digo educar, refiro-me à educação nos seu sentido mais lato, pois aquilo de que os professores dispõem para ensinar a criança é muito pouco, comparado com o que os pais, se forem conscienciosos, lhe podem ensinar.

Na China pré-comunista, por exemplo, as responsabilidades do professor eram muito maiores do que entre nós. Quando um pai levava um filho à escola, dava-o em certo sentido ao professor. Dizia-lhe, efectivamente: "É seu, não só para que o ensine mas também para que faça dele um homem honesto." Os professores compartilhavam com os pais a responsabilidade de formar o carácter dos jovens. Além disso, também a memória dos antepassados ajudavam os pais. Os preceitos passavam de geração em geração e eram respeitados pelos jovens e pelos velhos, e o filho obedecia à memória dos seus antepassados mortos como se curvava perante os avós e os pais vivos.
Se o meu vizinho tivesse vivido na velha China, disporia de vintenas de pessoas para o ajudar a educar o filho, o qual haveria de sentir-se então ligado a todos e, por esse facto, parte integrante da corrente da Humanidade. Em vez disso, o meu vizinho, tem de lutar quase sozinho, pois conta apenas com a perturbada ajuda da mãe do rapaz e com o interesse intermitente da igreja e da escola. Claro que sinto muita pena do meu vizinho, pois ninguém o ensinou a ser pai. Passou anos a aprender o ofício de mecânico. E, contudo, dessas duas ocupações, é a paternidade a mais difícil e importante.
Quanto à mãe, o que menos importa dentro da função maternal é cozinhar e governar a casa. E ninguém ajuda estes pais, nem os mortos nem os vivos. Contudo, há quem os censure pelos actos do filho. E, apesar da sua perturbação e sensação de derrota, continuam com as suas tentativas.

Claro que o rapaz está fora da razão quando despreza os pais e os considera incapazes de o ajudarem. Não faz ideia alguma de como eles se sentem atormentados ao pensarem nele, e quanto lhe querem. Também é certo que não espero encontrar tamanha sensibilidade nos rapazes e raparigas de hoje. Esta nossa época está longe da sensibilidade, tantas foram as atrocidades que nos endureceram. Contudo, um filho deve a si próprio o ser delicado e cooperante em relação aos pais, isto ainda que não os ame e respeite. Ao proceder malcriadamente, ao negar colaboração aos pais, está a ser desleal para consigo próprio. Mas - ao que parece - ninguém se deu ao trabalho de lhe ensinar tais coisas. Além disso, ele não sabe que o sentimento pode-se seguir à acção ou que a acção se deve basear em princípios e não em sentimentos.
- Então sou obrigado a dizer que estou arrependido quando não estou? - perguntou-me, certo dia, um dos meus filhos depois de ter procedido mal para com a irmã mais nova.
- Claro que deves dizer que estás arrependido, quer o estejas quer não - respondi. - Tens de proceder bem, seja qual for a tua maneira de sentir. Não podes forçar-te a sentir o que não sentes, mas podes proceder bem sintas o que sentires. E vais ficar admirado quando, por te teres habituado a dizer que estás arrependido, acabares afinal por lamentar sinceramente o que tiveres feito.
Pela minha parte, aprendi este preceito há muitos anos quando era criança e o meu mestre, um velho altamente sabedor, não pertencia nem à minha raça nem à minha religião. E durante toda a minha vida o achei sempre verdadeiro.
Tendo actuado sem delicadeza ou respeito para com o pai, que prazer sentirá o filho do meu vizinho durante a tarde em que se ausentou, esteja ele onde estiver? Vai descendo a rua a toda a velocidade, envolto num torvelinho de poeira, e o meu coração acompanha-o, pois receio bem que ele não vá encontrar aquilo por que realmente suspira: a integração na corrente da vida humana. Vai passar a tarde no campo de futebol e, depois, com os amigos a quem ele chama "a malta", encaminha-se para a garagem, actual substituta da loja da aldeia ou dos bares da cidade, onde se falará dos golos do jogo, da vontade de continuar com os estudos secundários ou de desistir dos mesmos, das fitas que tencionam ver, das raparigas suas conhecidas, dos empregos em que o serviço é mais fácil e mais susceptível de os manter afastados da obrigação de matar homens que nunca viram.

É um facto promissor, este de a maior parte dos jovens não querer matar. Sim, quanto a isso, eles continuam relutantes. Não acredito que esses rapazes da notícia que hoje li no jornal da manhã, que vagabundeavam pelas ruas da cidade, espancando, torturando e matando gente que nem conheciam, desejassem realmente praticar crimes semelhantes. Matar o próximo não está na natureza do homem. Esses rapazes já não podiam certamente aguentar o aspecto cruel do mundo à sua volta e, no desamparo da sua juventude, tentaram agarrar o que eles supunham ser a vida.
Se, algum dia, têm de ser arrastados para a violação de todos os instintos naturais, então que seja agora. Queriam a vida fosse como fosse. Podia essa ânsia ter assumido outro aspecto - o de salvar vidas - se alguém lhes tivesse mostrado que, mesmo hoje em dia, pode continuar a subsistir uma possibilidade ardente de paz e de boa vontade.
No cérebro desses adolescentes trágicos não houve raciocínio consciente elaborado: na sua ignorância, confundiram a morte com a vida. O que devemos temer é o raciocínio absurdo provocado pelo desespero do jovem que julga não poder escapar ao que prevê; teme e odeia e, por esse motivo, precipita-se ao encontro do que o atormenta. E, ao olhar para trás, sabe que não encontra refúgio no seu passado de criança.

O filho do meu vizinho foge da casa vazia da sua infância, mas - pobre dele! - o campo de futebol, a garagem, o cinema e até a rapariga com quem saiu algumas noites e logo abandona, porque ela não lhe satisfaz nem o espírito nem a alma (os quais, conquanto ele o ignore, significam mais para ele do que o corpo); todas essas derivantes são igualmente vazias, pois também elas se encontram afastadas da impetuosa corrente da vida neste mundo.
É que eu acredito no seguinte: o filho do meu vizinho sabe instintivamente que existem coisas importantes a realizar neste mundo, na sua nação e até na cidade próxima, coisas que o interessam e entusiasmam, e sente latejar no seu íntimo um vago, cego desejo de se lançar em qualquer acção importante, e por isso mesmo capaz de lhe despertar o interesse e o entusiasmo. A sua necessidade é a que todo o indivíduo sente de ser necessário e portanto essencial.
E como cheguei a semelhante conclusão? Certo dia, andava eu a passear à tarde pela mata que fica mesmo ao fundo da minha quinta, quando ouvi um som de soluços. Pus-me a escutar. Era um homem quem soluçava; um jovem, cuja voz se quebrava com o choro. Fui-me guiando pelo som até que, num pequeno vale, dei com o filho do meu vizinho, sentado num tronco, de cabeça entre as mãos.

- Aconteceu-te alguma coisa? - perguntei-lhe.
O som da minha voz provocou-lhe um sobressalto. Tentou esconder o rosto.
- Não é nada - disse.
Procurou o lenço e, não o achando, enxugou os olhos à fralda da camisa.
- Claro que se trata de alguma coisa - tornei eu - mas, se não me queres responder, não te pergunto mais nada.
- Trata-se de um assunto pessoal - respondeu.
- Os aborrecimentos são sempre pessoais - comentei. Também já os tenho tido. Sei como é.
Sentei-me no outro extremo do tronco e fiquei-me à espera. Era o fim de um lindo dia de Outono; o ar estava quente; o céu, límpido, e as árvores pareciam arder.
- Não sei explicar ao certo o que é - tornou ele por fim. - Sinto-me como que arrastado por aí...
- E quem é que te arrasta? - perguntei. Os pais eram inegavelmente brandos; mais do que isso: tolerantes.
- Oh, tudo; é assim como...
- Não existe nada por que verdadeiramente te interesses? - sugeri.
- É isso mesmo - concordou.
- Ou - tornei eu - ou ainda não descobriste o que realmente queres fazer e não sabes a que te hás-de agarrar?
- Suponho que é isso - respondeu contra vontade. E, desviando o olhar da minha pessoa, acrescentou:
- Bem, tenho de ir andando...
- E eu também - disse, erguendo-me da minha ponta do tronco. - Quero simplesmente dizer-te o seguinte: espero que não desistas de procurar o que realmente desejas fazer na vida. Garanto-te que o mundo é um lugar imenso e maravilhoso, muito mais do que possas imaginar, e certamente existe qualquer coisa que hás-de gostar de fazer, e pessoas que necessitam desesperadamente do que tu possas fazer por elas. Continua a olhar à tua volta e tem paciência contigo próprio.
- Fixe!
Baixou a cabeça e afastou-se, embrenhando-se na mata enquanto eu ia caminhando para casa. A própria pobreza das suas expressões denunciava o seu desassossego íntimo e certamente contribuirá para lhe aumentar a frustração. Não conseguia explicar-se por falta de vocabulário, e semelhante carência esmaga-lhe por assim dizer o turbilhão dos pensamentos. "É assim como... Suponho que sim... Fixe!" Expressões como estas constituem o vocabulário tipo carimbo da maior parte da nossa gente moça.
Mas, na sua autenticidade, aquele sofrimento corresponde ao anseio universal do homem de pertencer a algo maior do que ele - o de ser indispensável ao seu semelhante e apreciado como indivíduo.

Verifico que os nossos jovens americanos sofrem mais profundamente do que os jovens de outros países do convencimento da sua inutilidade. Prolongam-lhes a infância até que ela se converte num vácuo dentro do qual despejam desportos, diversões, vagabundagem, escapadelas, tudo actividades inofensivas e vazias e todas elas incapazes de substituir o trabalho em que a alma se compraz, no ponto mais alto da corrente humana. Ninguém pode tornar-se adulto e achar satisfação em si próprio se não possuir a consciência de que anda a contribuir com a sua quota-parte para o crescimento, expansão e desenvolvimento da raça humana.
Nunca ao filho do meu vizinho ensinaram esta verdade tão simples e tão profunda; por isso, ele se sente só e vai para a mata chorar sem saber porquê. Deus queira que a não venha a aprender demasiado tarde. Oxalá a sua existência venha a ser mais ampla do que uma taça mal cheia. No entanto, devia ter começado a aprender há muito, quando era ainda um rapazinho sorridente de cabelos encaracolados. Desperdiçámos-lhe a juventude e a força, tal como desperdiçamos tantos dos nossos jovens.
Todas as vilas, cidades e campos desaproveitam os seus jovens. Porque ficará tanta coisa por fazer? Porque os nossos filhos não se encontram relacionados com a vida. Vivem num mundo infantil que já os aborrece e contudo ainda não sabem como sair dele. Eu não acredito num mundo infantil. É um mundo imaginário. Creio que se deve ensinar à criança - e o mais cedo possível - que o mundo inteiro é o seu mundo; que o adulto e a criança partilham esse mesmo mundo e que todas as gerações são necessárias à consonância do mesmo.

- Se eu fosse presidente da câmara municipal de qualquer vila, empenhar-me-ia em que até as crianças que frequentam a instrução primária soubessem que eram cidadãos e que, nessa qualidade, possuíam deveres a cumprir. Não se lhes concederiam privilégios, mas possuiriam direitos. Os seus primeiros deveres seriam relativos ao bem-estar comum. Não receberiam, em circunstância alguma, compensações monetárias ou qualquer outro tipo de recompensa quando cumprissem os seus deveres, e uma parte destes constituiriam em estudarem a matéria de fazer progredir a sua terra, e as suas opiniões seriam séria e devidamente ponderadas.
- Se eu fosse presidente da câmara de qualquer vila, levaria até os alunos da primeira classe a conhecerem os nomes dos nossos cidadãos mais notáveis e meritórios e a reconhecerem as virtudes dos homens e das mulheres que fossem bons cidadãos. Considerá-los-ia responsáveis em qualquer parte pela conservação dos museus, monumentos e edifícios públicos. Levá-los-ia a compenetrarem-se de que era do seu dever cooperar com a polícia. Esta é a protectora da gente honesta, mas, na sua missão de servidora do público, não deve agir de forma cruel e tirânica, abusando do poder que lhe é outorgado pelos cidadãos pagadores de impostos.
- A responsabilidade destes cidadãos-crianças aumentaria com o nível etário. Quando perfizessem os doze anos, deveriam conhecer o governo da sua terra ao ponto de lhes ser possível analisar a reputação de um homem ou de uma mulher que se apresentasse a desempenhar funções públicas, porque elas saberiam o que essa pessoa teria realizado como personalidade e como membro do governo. Pais e professores deveriam responsabilizá-los por esse conhecimento, facultando-lhes ao mesmo tempo os meios necessários à aquisição de tais conhecimentos. E dever-se-ia dar às crianças uma forma legal de exprimirem a sua opinião por meio de um voto graduado.

Não creio que o filho do meu vizinho, a fazer parte integrante do pequeno rio da vida da sua terra natal, se internasse pela mata a chorar por se sentir desamparado. A responsabilidade gera o respeito; por isso, quando a gente nova assume responsabilidades, merece o nosso respeito. Magoa-me profundamente ver os jovens da nossa terra tão pouco respeitados.
Amamos os nossos filhos e inundamo-los de privilégios; estragamo-los de mimos; vestimo-los com belas roupas, dotamo-los de carros velozes, segundo o conceito egoísta de que os filhos são propriedade dos pais.
"O filho é meu, não é? Portanto, não tem nada a ver com isso." Mas não sabemos respeitar os nossos jovens na sua qualidade de seres humanos e de indivíduos. Os jovens americanos, muito ao contrário do que geralmente se pensa entre nós e no estrangeiro, sofrem quase todos de um profundo complexo de inferioridade. A sua bombástica vulgaridade ou o seu alheamento negativo são indícios de falta de confiança neles próprios. E quem poderá censurá-los por não se auto-respeitarem quando não são respeitados pela sociedade? O respeito dos outros é a fonte do respeito próprio e, para uma criança, o respeito que por ela possam ter é a primeira atmosfera favorável ao seu desenvolvimento.

A minha compaixão continua a ter por objecto o filho do meu vizinho. Quase não o ajudaram a crescer. Aos dezoito anos, os seus divertimentos continuam a ser infantis, monótonos e destrutivos e, no entanto, são os únicos que lhe têm facultado. Quase não lê, pois na verdade é pouco dado às letras, apesar dos seus anos de escolaridade, e, por isso, ignora que a nata do pensamento humano encontra-se entre as capas dos livros. Em compensação, lê histórias em quadradinhos e uns outros tantos tristes jornais humorísticos.

Lembro-me de que, uma vez, a minha mãe se recusou a ler uma certa revista, então muito popular, por a considerar autêntico lixo. Se o era, realmente, confesso que não me lembra. E isso possuía tão pouca importância nessa altura como agora.
Em compensação, o que ela então afirmou era tão importante que eu nunca mais esqueci. Eis as suas palavras: "Sou tão incapaz de pôr lixo no meu espírito como de o pôr na boca." Foi aquela a sua maneira de exprimir um velho e sábio dizer da Bíblia: "Pelo pensamento de um homem se conhece a sua qualidade."
O espírito converte-se num esgoto se lhe dão unicamente imundícies. Se, em nome da liberdade, consentimos que a onda da imundície, do homicídio, do crime em geral, da violência e da fantasia absurda invada continuamente o espírito dos nossos filhos, então, em nome da liberdade, teremos de lutar com todas as nossas forças para contrariar a onda do mal com a poderosa vaga do bem.
Sou contra o sofisma que afirma dependerem o bem e o mal, na pessoa, dos padrões da sociedade a que se pertence. O bem e o mal podem ser universalmente definidos na sua base essencial, e assim serem ilustrados através das pessoas em qualquer parte do mundo. Nos muitos países em que tenho vivido e viajado, impressionou-me a descoberta de que um bom ser humano de um determinado país é considerado como um bom ser humano em qualquer outro. Sabemos instintivamente, seja qual for o local do nosso nascimento, o que é o bem e o que é o mal, mas os nossos instintos podem não saber distinguir a diferença entre um e outro. Suponho que o filho do meu vizinho anda confundido e nisso constitui parte da sua perturbação. Alimentaram-no com má comida, quer mental quer espiritualmente, e, entretanto, o corpo foi-se-lhe enchendo de excelentes produtos alimentares e de vitaminas. Pouco esperavam dele, e essa mesma pobre expectativa acabou por limitá-lo.
Não sou a favor da severidade, mas creio na inexorável exigência da responsabilidade que se deve pedir aos cidadãos de todas as idades e na privação de direitos, se não em castigos, quando cada um não cumpre o seu dever. Precisamos de restaurar o significado total desta velha palavra - dever. É o reverso da medalha dos direitos. Cada um de nós contrai um dever para com os outros seres humanos, e o justo cumprimento desse mesmo dever assenta no de cada um para com a sua própria pessoa. Também não é por meio da disciplina que levamos os outros ao cumprimento do dever. Há um vazio que tem de ser preenchido nas vidas dos jovens, e a disciplina em si própria é um meio negativo, uma proibição e não uma realização.
Temos de ensinar aos nossos jovens o seguinte: eles nunca serão felizes enquanto não ingressarem no mais profundo do rio da vida. E então, graças aos meios maravilhosamente compensadores de que a vida dispõe - a paz e a felicidade quando não procuradas por elas próprias apenas - insinuar-se-lhe-ão nos espíritos através das portas do dever cumprido. O dever não é uma coisa odiosa, enfadonha ou destrutiva. O dever cumprido é algo de compensatório, de agradável e de reparador para a alma, e o seu fruto chama-se serenidade. Oxalá que o filho do meu vizinho se encontre ainda a tempo de chegar a esta conclusão.

Pearl S. Buck in Para as Minhas Filhas Com Amor, Edição "Livros do Brasil", Lisboa, 1975 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Pearl_S._Buck

RENOVA-ME, SENHOR JESUS


sábado, 8 de março de 2014

Ultrapassar a DEPRESSÃO?... É Possivel!
"Não Tenho Tempo Para Estar Deprimida." S.E.



Já alguma vez pensou na depressão como sendo boa? Até há pouco tempo, eu considerava-a uma daquelas emoções más que simplesmente acontecem às outras pessoas. Pensava que como nós, cristãos, temos o poder de Deus à nossa disposição, conseguiríamos endireitar-nos puxando pelos cordões das nossas próprias botas. Se nos sentíssemos deprimidos, podíamos subir os degraus a, b e c - pensar positivamente, sair, ser agradecidos - e ficar de novo felizes.
Se esta fórmula não dava resultado, então naturalmente a nossa depressão resultava de algum pecado que não estávamos dispostos a abandonar. Deus continuaria a premir o botão da depressão até suplicarmos "Socorro!" Com base no que tinha lido, essa depressão sempre se desenvolvia a partir duma ira reprimida ou congelada. A solução para essa crise era pedir perdão e acabar com a ira.
Alguns casos de depressão podem ajustar-se a esta fórmula, mas muitos não. Insistindo nessas duas soluções para a depressão, nós garantimos que muitas pessoas continuarão a sofrer e que muitos cristãos irão para lugares errados em busca doutras soluções, ou pelo menos de alívio para a sua dor.
A palavra depressão significa diferentes coisas para diferentes pessoas. Os psicólogos e médicos empregam definições que incluem sintomas observáveis. Falam de depressão clínica em que os sentimentos se tornaram tão intensos que os sintomas fisiológicos se tornam evidentes. Muitos concordam, contudo, que a depressão pode ser bastante complicada. A pessoa pode estar deprimida e não apresentar qualquer sintoma típico. Eu emprego o termo com o seu significado normal, como sentimento que vai além dum desânimo temporário.
A dor emocional resulta em sintomas fisiológicos. Podem estar envolvidos sentimentos de ira, culpa ou pesar, mas é principalmente um senso de inutilidade e abandono que subjuga a pessoa. Quando as feridas são profundas e a depressão se tornou um meio de vida, são necessárias algumas das belas verdades bíblicas para a cura e controlo da depressão.
Primeiro que tudo, precisamos de reconhecer o facto de que a depressão é uma via normal das nossas emoções enfrentarem os traumas das nossas vidas. Estar deprimido não é pecado. Talvez isto seja um pensamento novo para si. Compare a depressão com a ira a esta luz. Lembre-se de que Jesus Se irou, mas não pecou. Ele reagiu a certos eventos com ira. A Sua ira dava-Lhe energia para responder de modo adequado a esses acontecimentos. Tal como a ira, a depressão torna-se pecado, apenas quando nós respondemos de modo errado, ao nos sentirmos deprimidos por razões erradas. De acordo com Cohen e Gans, no seu livro The Other Generation Gap (O Outro Abismo das Gerações),1 a depressão pode constituir a reacção mais lógica e apropriada que a pessoa experimenta numa perda. Pode servir um propósito positivo e saudável em pessoas que se confrontam com problemas imediatos.

Deixe-me ilustrar: Uma mulher de 35 anos acorda com medo desse dia. Ao longo dos anos tem sido dinâmica, confiante e produtiva. Agora, tem uma terrível dor de cabeça que não desaparece com aspirinas. Teme o dia, porque tem a certeza de que não lhe acontecerá nada de bom. Teme a noite, com as suas longas e solitárias horas, perguntando a si mesma se o sono chegará, enfim, para aliviar os seus dolorosos pensamentos. As semanas são cheias de choro incontrolável. Ela tem medo das suas anteriores actividades. E se começa a chorar numa loja ou no meio de amigos? Não pode compreender nem explicar o que está a acontecer. Assim, isola-se.
Esta mulher ilustra os principais sintomas da depressão. De acordo com Ministh e Meier, estes sintomas são designados por:

1. Melancolia (ou tristeza).
2. Pensamento doloroso (pensamentos negativos acerca do seu eu, falta de motivação, indecisão).
3. Sintomas físicos de insónia e falta de apetite.
4. Ansiedade que resulta em irritabilidade.
5. Pensamento ilusório, ou estar fora da realidade (págs. 23-28).


Na vida dos cristãos verificam-se de facto eventos traumatizantes. A depressão que daí resulta devia ser primeiramente rotulada de normal e não de pecado. Por vezes, a depressão que se verifica nessas ocasiões é branda. Podemos ter experimentado os sintomas de depressão em virtude da perda de um emprego, uma queda séria no ordenado, ou a morte dum amigo ou parente. Tenho amigas que atravessaram divórcio, paralisia por acidente e a perda do cônjuge após um casamento longo, agradável a Deus e sólido. Todas essas mulheres experimentaram mais que uma depressão leve.
Muitos de nós enfrentamos a depressão em certas ocasiões - mesmo sem experiências tão traumatizantes. Eu sou a mulher descrita acima e que tinha medo do dia à sua frente. É irrealista dizer que os crentes nunca devem experimentar depressão. Eles experimentaram-na no tempo de Elias e Moisés, e continuam a experimentá-la no nosso tempo.
Philip Yancey faz uma aplicação no seu livro Where Is God When It Hurts? (Onde Está Deus Quando se Sofre?)2 A dor física tem um propósito bom. Avisa-nos de algum ferimento ou doença. Se a pessoa não sente dor, está com problemas. Se, por exemplo, devido a lepra, alguém fica sem sensibilidade nos pés, pode usar sapatos que o magoem ao ponto de lhe caírem parte dos pés. Isso podia evitar-se se se tivesse retirado a pressão dessa parte frágil do corpo - se tivesse sido protegida. Em vez disso, o dano torna-se irreparável.
A depressão avisa-nos de que temos uma pressão ou sofrimento em qualquer lado. Às vezes, isso expressa-se por meio de respostas óbvias, como profundo pesar. Quando Jeanne Good perdeu o marido, ficou profundamente acabrunhada. A depressão que se seguiu era compreensível. Contudo, a depressão pode levar a sentimentos e acções que nos desconcertam. Podem ser tão complexos que nos sentimos incomodados, ou mesmo perturbados, tentando descobrir o como e o porquê do que nos está a acontecer.

Na minha própria experiência, a minha mente e emoções lutavam por se restabelecer. As minhas emoções tinham sido prejudicadas por experiências da infância, embora eu não estivesse consciente desse sofrimento durante anos. Nesse período de depressão, a minha mente trouxe à superfície dolorosas recordações que há muito haviam sido esquecidas. Senti ira, ódio e culpa. Eu não sabia que a minha mente tinha de reconhecer o mal para então poder começar o processo de cura.
As nossas mentes procuram sanar os sofrimentos, exactamente como os nossos corpos tentam recuperar duma doença. Às vezes podemos identificar o acontecimento que provocou a nossa depressão. Noutras ocasiões é impossível. Às vezes, um incidente aparentemente insignificante provoca uma depressão profunda e absolutamente imprevista. Se nos temos considerado como equilibrados e emocionalmente fortes (como acontecia comigo), isto é particularmente desconcertante.
A cura física é trabalhosa. O corpo tem de se recompor e pode exigir alguma ajuda para esse fim: vitaminas, minerais, proteínas, descanso e talvez mesmo medicamentos. O organismo precisa de tempo para assimilar tudo isso. A cura emocional e mental através da depressão é igualmente trabalhosa. Talvez seja por isso que é tão difícil viver com essa emoção e controlá-la. Nós queremos respostas rápidas e fáceis para tudo. As raízes da depressão desenvolvem-se ao longo de muitos anos. Os resultados imediatos são negativos. O fruto positivo aparece, só após um longo período de tempo.
Ao escrever estas palavras, estou a ver uma encantadora cerejeira de Jerusalém junto à minha secretária. O fruto carnudo e vermelho contrasta com as folhas verdes e abundantes. Há um mês, esta bela árvore estava coberta de botões de aspecto miserável. Eu não podia evitar o cheiro acre nem apreciar a beleza da folhagem. A planta tinha um aspecto feio, e o cheiro era ainda pior. Contudo, ela não teria agora qualquer encanto se não tivesse antes atravessado essa fase.
A depressão é assim mesmo. O período depressivo da minha vida foi horrível, mas eu tive de o experimentar para que a cura se pudesse verificar. Teria eu pedido os acontecimentos que conduziram à minha depressão? De maneira nenhuma! Tive prazer nos sentimentos desses meses? Claro que não. Mas agora alegro-me e sinto-me grata por esta experiência - e o meu marido também! O resultado da depressão foi bom. O trabalho da cura emocional e mental foi produtivo.

Há certas ferramentas que nos podem ajudar no processo da cura da depressão. Antes porém de pegarmos nessas ferramentas, preciso dar uma palavra de cautela: Não leve muito a sério todos os conselhos das amigas. Lembre-se da experiência de Job. Já dissemos que a depressão é complexa. As suas raízes são profundas. Talvez ninguém entenda de facto o seu caso. Eis três chamadas de alerta que recebi de amigas: "Estás a negligenciar o teu marido"; "Estás a negligenciar os teus filhos"; "Estás a negligenciar-te a ti própria." O facto de ouvir todas essas chamadas de alerta ainda me deixaram mais deprimida! Cuidado. Nem todos os que se interessam por nós podem ajudar.


FERRAMENTAS PARA A CURA DA DEPRESSÃO

Ferramenta Nº1: Uma Auto-Imagem Positiva


Muita da dor emocional que experimentamos durante a depressão resulta duma falta de valor próprio. O Dr. David D. Burns, autor de Feeling Good: The New Mood Therapy, afirma que só o nosso próprio senso de valor pessoal determina a maneira como nos sentimos.3 Eu tenho o direito e obrigação de me ver positivamente, como Deus nos vê. Eu posso adoptar a Sua imagem de mim, como minha mesmo, ou então destruir-me, utilizando qualquer outra base para a avaliação do meu valor próprio.

Era uma vez um homem que tinha tudo a seu favor. As pessoas olhavam duas vezes para a sua altura e bom aspecto físico quando ele passava. Na juventude, Deus chamou-o para ser um líder. Talvez porque ele era forte e muito trabalhador. Talvez até porque não era vaidoso. Qualquer que fosse a razão, a verdade é que Deus viu o seu potencial e deu-lhe a mais elevada posição política de liderança no país, tornando-o rei de Israel.
Deus nunca nos dá uma responsabilidade sem que nos capacite para a realizarmos; isto verificou-se bem no caso deste jovem. De facto, esse homem ouviu palavras especiais de apoio e segurança. "Faze o que achar a tua mão, porque Deus é contigo" (I Samuel 10:7).
O mundo começou a girar. Os habitantes da sua cidade ficaram com ciúmes dele. (Quando adquirimos influência de repente, ela divide muitas vezes os nossos amigos e multiplica o número de pessoas das nossas relações). Em breve as ameaças militares foram seguidas por vitórias. A sua estatura política e militar cresceu. Ele não acumulou mulheres como muitos homens faziam, à medida que adquiriam popularidade. Tinha uma esposa e cinco filhos. Pelo menos um desses filhos tornou-se um homem íntegro e de grande capacidade.
Após alguns anos, nuvens de depressão imobilizaram esse líder. Não conseguia dormir. Projectou matar um homem que o tinha servido fielmente. No meio da sua ira, tentou mesmo matar o próprio filho. Passou os últimos anos de vida cheio de ódio e perseguiu amargamente um homem que tinha feito o voto de nunca o prejudicar.
Porque é que o nosso Deus omnisciente incluíu a história de Saul na Bíblia? Há uma bela sabedoria acerca da depressão na sua experiência. Quando lemos a respeito dos princípios de Saul, reparamos que era um homem humilde. Ficou surpreendido por ser ungido rei, pois provinha duma família pequena - a tribo de Benjamim. Quando chegou ao momento de ser publicamente eleito, escondeu-se. Isto não descreve, certamente, um indivíduo interessado em honras, ou orgulhoso da sua ascendência. Depois de ter assumido a sua função de rei, ainda encontramos Saul a trabalhar nos campos, como antes fazia. A humildade de Saul era uma característica que Deus desejava utilizar.
No princípio do reinado de Saul, vemos que ele tinha outra preciosa característica: não guardava rancor. Nessa época, o novo rei recebia presentes. Alguns dos perturbadores da sua cidade natal responderam à sua nomeação para rei, dizendo: "É este o que nos há-de livrar?" (I Samuel 10:27). Desprezaram-no e não lhe deram quaisquer presentes. Saul, porém, manteve-se em silêncio. Já tinha um círculo de homens valentes. Podia ter exigido presentes ou ter criado problemas àqueles perturbadores, de variadas maneiras. Contudo, não o fez. Podemos conhecer a estatura de alguém pelas pessoas que ignora.
Depois da primeira grande vitória militar de Saul, no frenesim das celebrações e zelo pelo êxito, as pessoas queriam matar todos os que se tinham oposto à nomeação de Saul como rei. Teria sido politicamente aceite que Saul desse o seu assentimento a tal desejo, mas não o deu.
Saul tinha ainda outra característica que Deus pretendia usar; era um pacificador. Saul tornou-se rei dum grupo de pessoas independentes entre si. Estavam divididas por clãs e não tinham inclinação natural para trabalharem juntas. Saul uniu-as. O povo disperso, que podia ser dominado por qualquer inimigo, tornou-se uma nação de poder militar.
Estes mesmos pontos fortes, as características que Deus muito desejava usar, acabaram por ser deformadas e corrompidas, tornando-se confusas e mal aplicadas. A depressão foi sendo tecida nas emoções de Saul. Ele não conseguiu vencê-la. Consentiu que ela se tornasse uma emoção negativa e asfixiante que alterou o seu pensar, o seu viver, os seus padrões de conduta.
Que aconteceu à humildade de Saul, à sua natureza perdoadora e à sua capacidade de unir as pessoas? Ele sucumbiu a uma crise de identidade. Foi especial no princípio por uma razão vinda de Deus. O Senhor tinha-o criado e tinha-lhe entregue uma tarefa para ele realizar. Saul podia ter-se sentido bem em relação a si mesmo se tivesse aceite a aprovação de Deus. O problema é que ele começou a preocupar-se antes em conseguir a aprovação dos homens.
Isto vê-se muito nitidamente na forma como Saul reagiu à vitória. Quando era humilde, disse: "... hoje tem obrado o Senhar um livramento em Israel" (I Samuel 11:13). Quando procurava mais, atribuiu a glória da vitória a si próprio. Negou ao seu próprio filho o crédito do ataque a uma guarnição dos filisteus. Quando outros soldados conquistavam honra em combate, Saul ficava ciumento. "... Saul feriu os seus milhares, porém David os seus dez milhares" (I Samuel 18:7). Saul observou atentamente David dali em diante e a pungente atmosfera de depressão envolveu-o, afectando toda a nação.

Saul é o exemplo clássico da pessoa que podia ter tido um positivo conceito de si próprio. O problema é que quando o seu tempo de crise chegou, ele procurou a aprovação das pessoas, e isso nunca é suficiente para dar a alguém uma auto-imagem positiva. Um equilíbrio emocional saudável não pode coexistir com uma conduta egocêntrica, orientada pelo pensamento "Tenho de parecer o maior". Quando levamos a nossa necessidade de aprovação a Deus, Ele aceita-nos, ama-nos e apoia-nos. Quando levamos a nossa necessidade de apoio aos outros, eles não nos podem amar o suficiente, nem mostrar-nos aceitação, ou dar-nos uma base para o nosso valor próprio. Ficamos então intimamente irritados e podemos mesmo alimentar ressentimentos contra aqueles que não nos satisfizeram. As pessoas simplesmente não podem fazer o que Deus pode fazer. Não podem dar uma aceitação não qualificada.
Saul começou a cometer erros; como numa reacção em cadeia, eles amarraram-no com um crescente e íntimo sentimento de culpa. Ele recusou-se a mudar o seu comportamento, de modo que a culpa revelou-se em destruição. Loucamente comprometeu os seus soldados num voto de jejum, quando precisavam de energia. Talvez tenha ficado radiante com a leal obediência dos seus homens na altura, mas mais tarde teve de lutar para encarar o pecado dali resultante. Apanhou o seu próprio filho na rede. Ele não obedeceu completamente a Deus destruindo a nação que havia derrotado. Em vez disso, poupou tudo o que lhe parecia bom. Os bens terrenos tornaram-se importantes para ele. Perdeu a capacidade de perdoar os danos e ofensas. As pessoas contavam mais para ele do que o próprio Deus. Repare numa das confissões de Saul: "Pequei, porquanto tenho traspassado o dito do Senhor e as tuas palavras; porque temi ao povo, e dei ouvidos à sua voz" (I Samuel 15:24).
Samuel disse a Saul que seria escolhido um novo rei por ele ter rejeitado o Senhor. Saul devia ter-se ajoelhado e chorado pelo seu grande fracasso. Como é que ele reagiu? "Pequei: Honra-me, porém, agora diante dos anciãos do meu povo e diante de Israel" (I Samuel 15:30). Os ressentimentos alimentados pela auto-imagem deformada de Saul resultaram em acções irresponsáveis. E a culpa devida a esses actos aumentou ainda mais o peso da sua depressão.

Já se examinou a si própria para ver se a sua depressão não é curada em virtude duma auto-imagem deformada? Às vezes sentimo-nos tão indignos, tão confusos e tão descontentes connosco, ou com o nosso pecado, que achamos que não somos ninguém. Lembre-se disto: Foi criada e é amada como um ser especial em que Deus tem prazer. A própria fraqueza que descobriu ao analisar a sua depressão pode ser aquilo que Deus deseja usar para Sua glória.


Ferramenta Nº2: Um Corpo Saudável

Já dissemos que a depressão é muitas vezes provocada por um acontecimento traumatizante na nossa vida. A depressão que se segue geralmente ao nascimento dum filho é chamada por vezes 'a melancolia do pós-parto'. Os nossos corpos exerceram o máximo esforço no mínimo período de tempo nas nossas vidas. Muitas vezes sentimos o conflito devido ao aumento doutro ser dependente.
Livros recentes sobre a crise da meia-idade salientam que a depressão acompanha o reconhecimento de que as nossas vidas já vão a meio e que ainda temos sonhos por realizar. Verificamos que os nossos corpos já não conseguem manter o ritmo anterior. A nossa aparência ou forma pode estar a mudar e não nos agrada muito o que vemos. Mas queremos trabalhar mais e também fazer exercício.
A depressão acompanha a insuficiência de açúcar no sangue, quer esta seja contínua, ou nos momentos temporários de fome antes das refeições. Pode seguir-se a um período em que estivemos particularmente ocupados.
Qual é o denominador comum de todas estas situações? Que os nossos corpos estão esgotados por um acontecimento traumatizante, por esgotamento físico ou por ambos. Elias exemplificou isto. Ele havia experimentado uma tremenda vitória. O clímax emocional da vitória, embora estimulante para a mente e para as emoções, é exigente em relação ao corpo. Elias foi ameaçado e fugiu. A sua fuga resultou em exaustão acompanhada de depressão. Deus não lhe agarrou nos ombros para o repreender pela sua emoção pecaminosa. Alimentou-o. Deixou-o descansar. Depois pôde ensinar-lhe outra lição. Mas primeiramente o corpo de Elias precisava de recuperar as forças.

Uma jovem mãe pode ser particularmente susceptível de cair em depressão. Há razões válidas para isso. A gravidez, amamentação e cuidado do filho exigem muito do organismo. Na nossa cultura de "pele e osso", ela está provavelmente a diminuir o peso à custa do estado geral da sua saúde. O seu padrão de sono é perturbado pelas exigências do seu bebé. Se tem outros filhos pequenos, acha particularmente difícil conseguir descansar o suficiente. Debate-se talvez ao mesmo tempo com a sua identidade, uma vez que o movimento feminista tem depreciado bastante a maternidade. Hábitos de alimentação que a sustinham antes do casamento e da maternidade não são agora adequados. Hábitos de sono, que a mantinham quando não havia um esgotamento emocional constante devido aos filhos pequenos, já não são possíveis nem suficientes. Como as exigências ao seu tempo aumentaram, ela talvez opte por tomar um pouco de açúcar para reagir e uma chávena de café em vez de se dispor a comer uma peça de fruta.
É bom lembrar que Deus dá valor aos corpos que nos deu. Como templos do Seu Espírito Santo, eles são importantes. Como Suas criativas obras-primas, eles são muito importantes. O cuidado com os nossos corpos faz parte da nossa mordomia ou boa administração. Não conseguimos melhor quilometragem dos nossos carros se andarmos com eles sem atentarmos nas suas necessidades de reparação. Eu cheguei à conclusão de que tratava o meu corpo como uma máquina. Enquanto ele andasse, ia a toda a velocidade. O colapso era inevitável.
Felizmente, Deus pôs a senhora Opal Fasig na minha vida. Aos 75 anos, a sua pele estava mais lisa que a minha. Era activa e vibrante. Explicou-me o valor das diferentes vitaminas e disse-me onde podia comprar o melhor alimento pelo mínimo preço. Ela era um exemplo de sábios hábitos alimentares, da boa mordomia do seu corpo.

No seu livro Men In Mid-Life Crisis (Os Homens na Crise da Meia-Idade), Jim Conway salienta que o exercício e a vida ao ar livre o ajudaram a atravessar o seu período de depressão.4 Quando nos sentimos deprimidos não é prudente planear um programa de exercício rigoroso para conseguirmos pôr de novo em forma o corpo alquebrado. Implementar o programa seria provavelmente impossível. Talvez seja razoável começar por dar uns passeios. Eu descobri que andar de bicicleta tinha uma acção terapêutica. Ir até um parque florestal era repousante e, ao mesmo tempo, um bom exercício. O rio acalmava o sofrimento da minha mente e lançava-o por água abaixo. O cheiro da vegetação acabava com as tensões. Outros poderão ver o rio Des Plaines como moribundo e poluído, mas é o único rio que eu tenho. Ele tem sido um porto para os patos e para algum meu pensamento confuso.
A depressão pode apresentar alguns bons resultados - alteração de hábitos que beneficiam o nosso corpo. Agora eu faço viagens de bicicleta para os parques florestais porque me apetece e não por desespero. O exercício continua a ser bom; a terapia é barata; e o resultado satisfaz.


Ferramenta Nº3: Controlo de Pensamentos Automáticos

Talvez pense que tem uma mente dum só trilho. Ninguém a tem. Podemos não estar conscientes do que acontece nas nossas mentes, mas há muitos sulcos.
Por exemplo: Alguém lhe faz um elogio: "Está muito linda esta noite." Sussurra então que mal teve tempo de se vestir. Pediu a saia emprestada à sua filha e não lhe serve bem. "Parabéns. Fez um trabalho muito bom." Responde então que foi apenas sorte. Qualquer outra pessoa podia ter feito melhor. Num sulco atrás na sua mente sussura uma mensagem: "Eu sou estúpida e feia. Eu sou estúpida e feia. Os elogios não podem ser verdadeiros. Eu sou estúpida e feia."
Embora não estejamos realmente conscientes deste tipo de pensamento, ele exerce grande poder sobre nós. Tudo o que vemos e ouvimos é reinterpretado por meio destes pensamentos automáticos.
Em tempos de depressão, estes pensamentos são mais audíveis e mais numerosos que noutras épocas. Os pensamentos automáticos mais frequentes nas pessoas deprimidas são os seguintes: "Eu não valho nada." "Fui tão estúpida em fazer isto. Ninguém vai gostar de mim." "As pessoas não me tratam bem." Durante a depressão estes pensamentos automáticos podem monopolizar as nossas mentes mesmo que não cheguemos a ter consciência do facto. Contudo, os pensamentos afectam os sentimentos e nós apercebemo-nos perfeitamente dos sentimentos. Achamos que somos uma verdadeira nulidade. Sentimo-nos culpados. Sentimo-nos em conflito.
Que poderemos fazer em relação a esses pensamentos? Primeiro, apreendemo-los e identificamo-los. Depois, controlamo-los. Corrigimo-los se estão errados e lançamo-los fora se são inúteis.

A Patrícia sentia-se inútil, mas na medida em que ia realizando alguma coisa conseguia viver com tal sentimento. Frequentou a escola, arranjou um bom emprego, casou e teve seis filhos. Quando o seu último filho tinha três anos, a vida dela mergulhou em depressão. As amigas lembravam-lhe os êxitos da sua vida: "Repara nestas crianças lindas e saudáveis. O teu marido ganha bem e gosta de ti. Lembra-te dos teus cursos." A Patrícia sentiu-se então culpada por estar deprimida.
Perguntou a si própria: "Porque é que me sinto inútil?" Pensou na sua infância. A mãe morrera quando ela tinha sete anos. O pai era indiferente. Ela conseguira sempre atrair a atenção da madrasta e do pai com as suas realizações. Tornou-se vital para o seu senso de valor próprio estar sempre a realizar algo. Quando aquilo que fazia não era de molde a medir-se, sentia-se inútil.
A Patrícia agarrou o pensamento automático "Eu não sou ninguém se não estiver a realizar algo mensurável." Controlou então esse pensamento. "Eu sinto-me uma nulidade por causa do meu passado. Eu sou alguém para Deus, porque Ele me criou e tem um plano para a minha vida. Ele aceita-me, quer eu realize coisas mensuráveis, ou não." Os seus sentimentos a respeito de si própria baseavam-se agora em factos e começaram a mudar.

Estas vitórias não acontecem instantaneamente. Por vezes é necessária ajuda profissional para captar esses pensamentos subconscientes e automáticos. Mas vale a pena o esforço, pois os sentimentos não poderão mudar enquanto não os basearmos em factos correctos.
Durante a depressão acontece normalmente que os nossos pensamentos íntimos se tornam irracionais. Cometemos um erro. Exageramo-lo. Depois dum acidente com o carro, concluo que sou a pior condutora do mundo. Entorno qualquer coisa, mesmo água simples, e condeno-me por falta de cuidado. Um investimento desvaloriza, e eu classifico-me logo como falhada. É importante que interpretemos estes pensamentos e os classifiquemos com precisão. Nós cometemos erros: todos cometem. Isso faz parte da vida e da aprendizagem. Talvez ajude o facto de escrever os seus pensamentos. O controlo pode ser mais fácil no papel. Filipenses 4:8 dá-nos as directrizes para o controlo desses pensamentos. Serão eles verdadeiros, honestos e justos? Serão puros, amáveis e de boa fama? Haverá alguma virtude que resulte de manter tais pensamentos? Se não, lance-os fora!
A Bíblia ensina-nos que aquilo que um homem ou uma mulher pensa no coração é que o caracterizará (Provérbios 23:7). Também nos ensina que aquilo que nós pensamos no coração é que guiará a nossa língua (Lucas 8:45). Se não apanharmos e controlarmos os pensamentos errados, eles irão moldar-nos e afectar todos os nossos relacionamentos. Se durante um certo período pensarmos que somos estúpidos e feios, com o tempo começaremos a agir em harmonia com isso. Se pensamos que as pessoas nos tratam mal, acabaremos por as fazer tratar-nos dessa maneira. Então não haverá qualquer fruto positivo desse período de depressão. Pode permanecer como um hábito emocional mau que leva com ele a infelicidade.


Ferramenta Nº4: Um Amigo Compreensivo

"A mulher que tem muitas amigas pode congratular-se, mas há amiga mais chegada que uma irmã" (Provérbios 18:24). Os amigos podem intensificar a dor da depressão. Como já disse, nem todos os que se interessam por nós nos podem ajudar. Muitas vezes os amigos não compreendem. Há ocasiões em que o nível do seu interesse por nós é superficial. Contudo, podemos descobrir uma verdadeira gema entre as nossas amizades durante uma crise de depressão.

Uma boa amiga sentirá consigo enquanto gentilmente a ajuda a erguer-se em vez de a acompanhar na descida. Este tipo de amizade é verdadeiramente rara.
Por favor, simpatize com a sua própria amiga. Se o caso dela é semelhante ao meu, lembre-se de que a dor que ela sofre é real e geralmente justificada. Uma senhora foi para o seu círculo de oração em sofrimento. Tinha estado a debater-se com a depressão durante semanas e sentia-se à beira do abismo. Disse às amigas que estava a sofrer. Elas não acreditaram. Como é que ela podia estar a sofrer com uma cara tão linda? Achavam que ela tinha a família perfeita. Recusaram-se pois a atender o seu pedido de ajuda.
Aquela senhora achou alívio para a sua dor numa garrafa de álcool. Não precisava de continuar a explicar e a convencer ninguém para sentir calor e entorpecimento. A garrafa era um alívio garantido e sempre à mão.
Que fazemos quando uma amiga adoece? Dizemos que temos pena. Se é internada, levamos-lhe perfume ou chocolates, ou lilases do nosso jardim. Isso é mostrar simpatia.
Quando a minha amiga Gail ficou paralisada da cintura para baixo em consequência dum acidente, recebeu cartas que diziam que se ela tivesse mais fé podia levantar-se e andar. Outra carta dizia que se ela sondasse o pecado que havia na sua vida e se arrependesse seria curada. Isso não é mostrar simpatia nem amizade.
Um indivíduo da Bíblia teve o mesmo problema que Gail, embora a sua deficiência física fosse de género diferente. Era cego de nascença. As pessoas perguntaram a Jesus: "Quem pecou, este ou seus pais?" (João 9:2).
Jesus respondeu, efectivamente: "Nem ele pecou, nem os pais. Isto aconteceu assim para que eu vos pudesse ensinar uma lição a vós, homens insensíveis e críticos." A lição que Jesus ensinou pela Sua acção foi que Ele veio à terra para ajudar as pessoas que sofriam e lhes dar cura. Ele veio enfrentar a deficiência que os afligia, em vez de negar que ela existia ou que tivessem um sofrimento legítimo. Só então se poderia verificar a cura.

A depressão é um sofrimento tão real como uma úlcera no estômago. Será errado dizer: "Lamento que esteja a sofrer", "Os seus pais não o deviam ter tratado desse modo", ou "Deve realmente sentir a falta dele à noite"? Simpatia significa ampararmo-nos uns aos outros e chorarmos pelas coisas humanas que acontecem. É amar uma pessoa despedaçada e dar-lhe espaço para cair, ficando lá a juntar os bocados, quer o consiga, quer não.
Este tipo de amizade é raro? Se o tiver, talvez não precise da ferramenta a seguir.

Ferramenta Nº5: Ajuda Profissional Cristã

Nem toda a gente precisa de ajuda profissional cristã em tempos de depressão, mas há ocasiões em que se torna necessária. Temos ouvido crentes dizer que um cristão nunca deve recorrer a um psiquiatra. No entanto, essas mesmas pessoas correm ao médico em busca dum antibiótico, se tiverem uma infecção. Põem gesso num braço partido para auxiliar a cura. Não vou discutir esse ponto aqui, em pormenor. Penso, todavia, que precisamos de reconhecer que as nossas mentes e emoções são complexas. Às vezes somos incapazes de desemaranhar os dolorosos enredos, sozinhas. Frequentemente os nossos amigos não conseguem ser bastante objectivos para nos ajudarem. Em certas ocasiões são mesmo parte do problema.
A minha opinião é que a ajuda dum profissional não-cristão é extremamente limitada. O psiquiatra não-cristão é seriamente deficiente em nos ajudar a estabelecer sentimentos de valor próprio. A nossa base absoluta para o sentimento de auto-estima tem origem em Deus. Ele fez-nos únicos à Sua imagem e aceita-nos como somos. Se apagarmos Deus do quadro, tornamo-nos seres que apareceram por acaso. Não temos qualquer propósito na vida, a não ser os alvos que estabelecemos para nós próprios. Estes serão, no melhor dos casos, egoístas, mas o mais provável é que sejam destrutivos para nós e para os outros. Sem Deus como fundamento, como é que se pode estabelecer qualquer senso de auto-estima? Jesus é o nosso exemplo vivo, em carne e osso, de Deus. A Sua morte por nós prova o nosso valor para Ele e Seu Pai. Agora temos uma evidência histórica do nosso valor. Não vejo como é que uma auto-imagem saudável se possa estabelecer ou reafirmar sem tal base bíblica.

Métodos usados em aconselhamento secular têm-se entrelaçado com a filosofia humanística secular. Têm-se tornado profissionalmente aceites práticas que violam princípios bíblicos. Um psiquiatra cristão falou de colegas não-cristãos que tinham relações sexuais com as suas clientes para as libertar da sua 'tendência' para pertencerem a um só homem. Tenho uma amiga cuja filha adolescente foi hospitalizada e dirigida para um quarto com rapazes e raparigas. Foi estimulada a estabelecer relações íntimas com todos para se sentir aceite. Seis meses e 24 000 dólares depois, foi mandada embora com a informação: "Não se notaram melhoras acentuadas."
Felizmente, temos hoje profissionais bem qualificados que são cristãos. Há profissionais que usam o termo 'cristão' para atrair um número maior de doentes, mas as suas práticas não são bíblicas. Procure informar-se não só das credenciais, mas também da prática, antes de confiar as suas emaranhadas emoções a alguém, com vista a pô-las em ordem.
Ferramenta Nº6: Gratidão

Referimo-nos a este instrumento com tanta fluência que parece pouco importante. Mas ele nem é de baixo custo nem de baixo valor, antes algo de precioso no tratamento positivo da depressão. Como esta segue muitas vezes eventos traumatizantes, talvez queiramos acusar Deus em vez de Lhe agradecer pelo que aconteceu. Podemos lamentar que o acontecimento se tenha verificado e podemos visualizar ou sonhar com o que seria se as circunstâncias tivessem sido diferentes.
A seu tempo, se estamos interessados em deixar que a depressão actue positivamente, temos de aplicar o princípio de Romanos 8:28. Deus é suficientemente grande e suficientemente poderoso para fazer resultar bem de qualquer coisa. Foi este facto que permitiu a Corrie Tem Boom agradecer a Deus os anos que passou num campo de concentração. Foi este facto que habilitou Paulo a escrever uma carta positiva de louvor aos filipenses. Foi este facto que habilitou a Patrícia a agradecer a Deus o pai e a madrasta. Eu tenho conseguido agradecer a Deus as experiências da minha infância. Gratidão significa agir sobre o facto antes que os nossos sentimentos tenham mudado. Em devido tempo sentir-nos-emos gratos.
A Bíblia sempre nos tem exortado a sermos gratos. Como devemos dar sempre graças, devemos desenvolver o hábito da gratidão. É interessante ver que as investigações seculares estão precisamente agora a 'provar' isso. No seu livro Cognitive Therapy and the Emotional Disorders, o Dr. Aaron T. Beck afirma que a nossa disposição não dita os nossos pensamentos; são estes que governam a nossa disposição.5 Se pensarmos correctamente, sentiremos correctamente.

Quer sentir-se grata? Então pense grata. Faça uma lista dos motivos que tem para estar grata. Reveja essas coisas na sua mente. Agradeça a Deus em voz alta por elas. Imagine diferentes coisas boas que poderão resultar de alguma das suas dolorosas experiências de crescimento. Agradeça a Deus os infindáveis potenciais positivos.


PASSOS A DAR:
1. Escreva a base para uma auto-imagem positiva. Escreva o que Deus pensa de si. Efésios 1:2-8 pode ajudá-la.
2. Que mudanças realistas podia operar nos seus hábitos alimentares? Que actividade se ajustaria à sua vida para gozo e melhor saúde? O seu corpo merece o investimento de planeamento e tempo.
3. Pratique o controlo dos seus pensamentos subconscientes e automáticos. Decore Filipenses 4:8. Uma avaliação honesta de si própria (Romanos 12:3) inclui os seus pontos fortes. Que qualidades tem que estejam à disposição para uso de Deus?
4. Seja uma amiga simpática. Se tiver uma amiga assim, saiba reconhecer-lhe o valor.
5. Que bem poderá resultar deste tempo de crescimento? Comece por agradecer a Deus o potencial que talvez lhe não seja evidente na altura. É natural que outra pessoa consiga destacá-lo, ou poderá mesmo vir a descobri-lo sozinha. Comece a agradecer a Deus, mesmo antes de ver os resultados.


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Senhor, ouve a minha oração, E chegue a Ti o meu clamor.
Não escondas de mim o Teu rosto no dia da minha angústia;
Inclina para mim os Teus ouvidos; No dia em que eu clamar, ouve-me depressa.
Porque os meus dias se consomem como fumo, E os meus ossos ardem como lenha.
O meu coração está ferido e seco como a erva, Pelo que até me esqueço de comer o meu pão. - Salmo 102:1-4


Bendize, ó minha alma, ao Senhor, E tudo o que há em mim bendiga o Seu santo nome.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, E não te esqueças de nenhum dos Seus benefícios.
É ele que perdoa todas as tuas iniquidades, E sara todas as tuas enfermidades.
Quem redime a tua vida da perdição, E te coroa de benignidade e de misericórdia;
Quem enche a tua boca de bens, De sorte que a tua mocidade se renova como a águia. - Salmo 103:1-5


"Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso." 2 Timóteo 1:7

Miriam Neff, "tem um curso de Aconselhamento da Northwestern University. É professora de Bíblia e uma escritora independente de Park Ridge, Illinois", in As Mulheres e as suas EMOÇÕES, editado por Núcleo, Centro de Publicações Cristãs, Lda, 1985.

Referências:
1. - Steven Cohen e Bruce Gans, The Other Generation Gap: You and your Aging Parents (New York.: Warner Books, 1980).
2. - Philip Yancey, Where is God When It Hurts? (Grand Rapids: Zondervan, 1977).
3. - David D. Burns, Feeling Good: New Mood Therapy (New York, N. Y.: Morrow, 1980).
4. - Jim Conway, Men in Mid-Life Crisis (Elgin, III.: David C. Cook, 1978).
5. - Aaron T. Beck, Cognitive Therapy and the Emotional Disorders (New York, N. Y.: New American Library, 1979).