domingo, 25 de abril de 2010

LIBERTE-SE!




SENHOR, MUDA A MINHA FORMA DE PENSAR

«Porque os Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os Meus caminhos, diz o Senhor.» Isaías 55:8.

O funcionamento da nossa mente é verdadeiramente surpreendente. Assim como a repetição de certos gestos leva à criação de hábitos, a repetição de determinados pensamentos leva a que se defina e determine o padrão de pensamento de cada um de nós. A predominância desse modelo leva a que seja evidente a forma como existimos e como edificamos a nossa mente.
No livro de Números descreve-se, duma forma rica e detalhada, uma sequência de acontecimentos ligados com a saída do Egipto e a peregrinação para a Terra Prometida. Foi uma epopeia que justifica a nossa atenção. Foram diversas as dificuldades que se lhes depararam, umas duma forma, outras de outra. Só havia duas coisas que foram constantes: a primeira, o cuidado de Deus pelo Seu povo; e a segunda, o padrão de pensamento daquela nação. Cada vez que eram desafiados pelas dificuldades, reagiam sempre com queixas e murmurações. Quando olhavam para uma situação menos positiva, a culpa era de alguém, menos deles. Eram avaros em manifestar alegria, satisfação e gratidão, e muito prontos em manifestar as suas queixas e as suas acusações contra fosse quem fosse, inclusive contra Deus.
Mesmo quando às portas da Terra que lhes tinha sido prometida, e quando os espias regressaram da sua missão (Números 13), apenas conseguiram ver os aspectos negativos da situação, chegando ao ponto de olharem para o Egipto como um paraíso, e verem a Terra Prometida como nada atraente, apesar das amostras dos frutos que os espias lhes trouxeram.
Tanto se habituaram a olhar para a sua incapacidade de construírem soluções adequadas, que foram capazes de não valorizar a presença permanente de Deus com eles. Por isso não estavam capacitados para entrar em Canaã e tiveram de jornadear por muitos mais anos pelo deserto.
No nosso viver, muitas vezes reproduzimos a atitude dos israelitas. Criamos os nossos padrões de pensamento, de forma que cegamos para o que é evidente (o cuidado da Deus por nós) e sobrevalorizamos as nossas angústias e dificuldades. Em vez de crescermos com os desafios, deprimimo-nos a ponto de distorcermos a realidade da nossa existência.

Apenas precisamos de pensar de outra forma. Precisamos de Lhe pedir que mude a nossa forma de pensar. Seremos os primeiros e maiores beneficiados.


SENHOR, MUDA A MINHA FORMA DE SENTIR

«Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito estável.» Salmo 51:10.

Falar de sentimentos nem sempre foi uma prioridade. Para alguns, o importante era tudo o que tinha que ver com o conhecimento. Vivia-se, então, sob uma predominância do cognitivo em desfavor do afectivo.
Mas hoje, após esse deslumbramento inicial, é perfeitamente evidente que não somos, nem nunca seremos "nós próprios", se não considerarmos os nossos sentimentos como uma das mais ricas e específicas formas de nos revelarmos na nossa essência. Os sentimentos são o resultado da interpretação primária que fazemos dos estímulos e informações que colhemos no nosso viver. São sobretudo mentais, com pouca ou nenhuma expressão corporal, mas que podem levar a uma emoção, essa sim, com uma forte componente corporal que se tornará difícil de camuflar.
Havendo uma interpretação dos estímulos, poderemos afirmar que os sentimentos são uma opção, uma decisão que assumimos e que assenta no padrão do nosso pensamento. Assim, os sentimentos podem e devem sofrer alterações se ansiamos e promovemos mudanças na nossa forma de pensar. Não são uma fatalidade da qual não nos podemos libertar, mas são, muito mais, um padrão de funcionamento da nossa mente que pode e deve ser trabalhado.
É interessante que correntes da psicologia (Abraham Maslow) estão de acordo com os princípios básicos do cristianismo no que diz respeito ao facto de termos nascido com a capacidade de distinguirmos entre o bem e o mal (sentimentos positivos e sentimentos negativos). Quando "fomos criados à imagem e semelhança" de Deus, isso pressupunha que, originalmente, nos foi outorgada a capacidade de fazer as nossas escolhas básicas. Mas tudo isso está dependente, para o futuro, das influências que se façam sentir (negativas devido ao pecado, positivas devido à acção continuada de Deus sobre nós) em cada um e dos condicionalismos que se criarem.
Mas, e isto deve-nos merecer enorme alegria, tudo pode ser trabalhado, mudado, melhorado. Deus criou-nos com a capacidade de contrariarmos a aparente fatalidade, e sermos actores fundamentais na construção do nosso padrão sentimental. Mas para isso é preciso tomar decisões inéditas, talvez, na nossa vida.

A salvação não será um prémio apenas para o que "sabemos", mas envolverá também o que sentimos. Por isso, talvez seja o momento de orarmos pedindo que "tenhamos aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus." (Filipenses 2:5).


SENHOR, MUDA A MINHA FORMA DE AGIR

«Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, ... mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que seja manifesto que as obras são feitas em Deus.» João 3:20, 21.

Quando pretendemos conhecer alguém devemos tomar em consideração todos os parâmetros que nos sejam acessíveis. O seu aspecto é importante para a composição da imagem que dele fazemos e que pode distinguir uma pessoa de outra. Mas a aparência exterior é reconhecidamente limitada para nos permitir conhecer a respectiva pessoa. Precisamos de conhecer o seu interior, os seus pensamentos, os seus sentimentos e obrigatoriamente as suas acções. Por essa razão, a frase "pelos seus frutos os conhecereis" (Mateus 7:16) ganha tanto impacto em cada um de nós.
Um pilar fundamental da nossa mente, para além da forma como pensamos e da maneira como sentimos, é tudo o que se relaciona com o exercício da nossa vontade. As nossas acções são o resultado do exercício da nossa vontade, que, por repetição, devem levar ao padrão das nossas reacções.
A visita ao Grand Canyon é uma oportunidade excelente para vermos como um rio foi cavando o terreno à sua volta, de forma que hoje pode ser verificado um desnível maior que 1 500 metros em alguns lugares. Com a nossa vida mental, cada pensamento cava o leito para um novo pensamento, cada sentimento nos fará sentir de determinada forma no futuro e cada acção nos condicionará a agir de acordo com o mesmo padrão futuramente. Assim como com a passagem das águas do rio, os materiais arrancados pela erosão não poderão jamais voltar a ser depositados no seu lugar de origem, as nossas acções vincam traços da nossa personalidade cujo apagamento nos pode parecer impossível.
Mas o que Deus nos propõe é que cresçamos até "à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios 4:13). Será isto natural? Será fácil? Não poderemos dar uma resposta afirmativa a estas duas questões. Será possível? Assim como uma barragem consegue domar as águas de um rio, também poderemos dizer que a resposta a esta última questão é positiva. Com Deus é possível mudar o padrão das nossas acções e progressivamente mudar também o registo das nossas reacções.

Porque não pedir-Lhe, hoje, que seja Ele o nosso principal aliado neste processo?


SENHOR, MUDA O MEU CARÁCTER

«E, por isso mesmo, vós, empregando toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência, e à ciência o domínio próprio, e ao domínio próprio a perseverança, e à perseverança a piedade, e à piedade a fraternidade, e à fraternidade o amor.» II Pedro:1:5-7.

Todos os crentes desejam ter um lugar na eternidade. Como resultado do sacrifício de Cristo, a eternidade pode tornar-se efectiva em cada um de nós. Usando uma imagem vulgar dos nossos dias, poderemos dizer que o passaporte que permite "essa viagem" tem que estar devidamente autenticado. É aqui que o carácter individual surge com uma importância incontornável. É ele que determina se reunimos as condições básicas para sermos contemplados com a graça da salvação.
Ellen White escreveu em 1881 o seguinte: «Cada acto da vida, por menos importante que seja, tem a sua influência na formação do carácter. Um bom carácter é mais precioso do que posses mundanas, e a obra de formá-lo é a mais nobre na qual se possam empenhar os homens.»
Não é de todo um desafio fácil, talvez seja até considerado impossível por alguns. «Cristo não nos deu garantia alguma de que é fácil alcançar a perfeição do carácter. Não se herda um carácter perfeito e nobre. Não o recebemos por acaso. O carácter nobre é ganho por esforço individual mediante os méritos e a graça de Cristo. É formado por combates árduos e renhidos com o próprio eu. As tendências herdadas devem ser banidas por um conflito após outro.» Idem.
Ninguém está fora desta luta. «Ninguém diga: "Não posso remediar os meus defeitos de carácter." Se chegarmos a esta decisão, certamente deixaremos de alcançar a vida eterna. A impossibilidade está na nossa própria vontade. Se não quisermos, não venceremos. A dificuldade real vem da corrupção de um coração não santificado, e da involuntariedade de se submeter à direcção de Deus." Ibidem.
Ser cristão é estar activamente envolvido na luta permanente por um carácter diferente do original, "é estar em busca da estatura de Cristo". Por isso, é muito séria a questão que colocamos em que é que hoje o meu carácter já é diferente do que era no passado?

Em oração fervorosa, vamos pedir que Deus nos dê a coragem e as oportunidades de aperfeiçoarmos o nosso carácter.

Daniel Esteves

terça-feira, 20 de abril de 2010

AS DUAS PEÇAS DE OURO



Quando os meus quinze contei, um tio velho que eu tinha,
Qu´inda choro e chorarei toda inteira a vida minha,
Disse-me um dia:— «Olhe cá! Está quase um homem já!
Para que por tal o tomem, quero fazer-lhe um presente,
Com que um homem...
Com que um homem se apresente.»

Julguei, n'esta oração toda, que o tal quase sobejava,
E sondei o beiço em roda a ver se o buço apontava.
Estranhara o tratamento! E o programa, que um portento
No tom me estava a indicar, fez-me, logo à introdução,
Palpitar...
Palpitar o coração!

Fiquei-me desvanecido, e aprumando-me vaidoso,
Ouvi, meio distraído, entre ufano e curioso,
O longo fim do sermão. O bom do meu tio então,
Acções juntando a promessas, deu-me, para meu tesouro,
Duas peças...
Duas peças novas de ouro.

Esquecendo a gravidade, e o valor que este incidente
Outorgara à minha idade, dei dois pulos de contente.
As peças mirei de perto; e não trocava de certo,
Desdenhando régias sinas, o meu erário infantil
Pelas minas...
Pelas minas do Brasil!

A cismar no que faria de tão grosso cabedal
Passei o resto do dia, e de noite dormi mal.
No meu sono, a cada instante, via um grupo fulgurante
De efígies tais, que não sei quem as tivera inventado.
E sonhei...
E sonhei que era morgado.

Apenas rompeu a aurora, posto a pé antes do sol,
Quis tomar, por ali fora, os meus desejos a rol.
Ai, que diversos e quantos! Eram tantos, tantos, tantos,
Que lhes não achava o fim. O mundo tinha um defeito:
Para mim...
Para mim era inda estreito.

Meditava seriamente se faria a aquisição
D'um relógio com corrente, ou d'um cavalo rabão.
Como escolhesse o cavalo, entrei logo a ajaezá-lo.
Mas... mas o relógio... Aqui, pensando com mais estudo,
Resolvi...
Resolvi-me a comprar tudo.




Era no campo. Ao sol posto (já fresca outoniça aragem
D'um dia depois de Agosto ciciava entre a folhagem),
Fui ao moinho do outeiro, onde o Domingos moleiro,
Porque às vezes me deixara trotar do seu macho em cima,
Conquistara...
Conquistara a minha estima.

De o deslumbrar d´aparatos a pia intenção levava;
Mas fui achá-lo nos tratos d'uma terçã que o prostrava.
Cessara o motim festivo: solitário e semi-vivo,
Jazia o triste no chão, com as faces amarelas
N'um montão...
N'um montão de rotas velas!

Chamei-o: nem respondia; busquei: tudo lhe faltava.
Quando eu aflito saía, a pobre moleira entrava.
Vinha de lidar chorando, negro pão de dois penando.
Em tal desanimo e dor, tirando a peça primeira,
Fui-lh'a pôr...
Fui-lh'a pôr à cabeceira.

Que nunca ninguém se esqueça da alheia tribulação!
Tinha saudades da peça, mas tinha orgulho da acção.
Ficara aos sonhos metade entre os braços da piedade.
Vago e ufano como um rei, bem que no caso a cismar,
Caminhei...
Caminhei para o Lugar.

Um pardieiro, entre rosas, havia do Povo à entrada,
Junto às ruínas musgosas d'uma ermida derrocada.
Vivia n'esta casinha a ti´Ana — uma velhinha
Que sabia muita história, e m'as contava ao serão,
Co'a memória...
Co'a memória da afeição.

Em versos, um tanto baldos, modulava-me ela ainda
As trovas de Dom Reinaldos e o romance de Florinda.
Fugia a noite apressada, ao sabor d'essa toada,
Em tão suspenso escutar, que o meu sentido primeiro
Foi chegar...
Foi chegar a cavaleiro.

Uma vaquinha leiteira
Alvas malhas, pêlo nédio,
Era a sua companheira e também o seu remédio.
Conhecia-lhe a canção e vinha comer-lhe à mão,
Quando não pascia à porta. Chego, e a fala me abandona!...
Vejo-a morta...
Vejo-a morta aos pés da dona!

Dera-lhe o mal de repente; para morrer ali fora.
Meigo o olhar inteligente inda carinhos implora!
A pobre velha, coitada, sem voz, trémula e parada,
Olhava, olhava também, como quem na dor que encerra
Mais não tem...
Mais não tem quem ver na terra.

Nada disse. Que diria? Há desgraças tão completas,
Que da própria simpatia são as vozes indiscretas.
A velha não se moveu... E chorava!... E chorei eu!...
Que havia determinar, em miséria tão expressa,
Senão dar...
Senão dar-lhe a outra peça?

Puz-lh'a, mudo, no regaço; e volvi a passos lentos,
Apagando, n'um só traço, desejos com sentimentos!
Senti o fausto perdido: mas não foi de arrependido!...
Dissipada já deixava a fantástica opulência,
Mas levava...
Mas levava a consciência!


Mendes Leal



quinta-feira, 8 de abril de 2010

SÓ DEUS É REI


- Viva o rei para sempre!
Eram estas as primeiras palavras que todos os homens do país haoussa deviam dizer, sem se enganar, segundo os costumes sagrados, sempre que comparecessem na presença do seu soberano.

Ora, à sombra da árvore de vasta folhagem onde esse senhor do reino recebia todas as manhãs o seu povo apareceu um dia um homem alto e de aspecto calmo que ousou saudá-lo com estas palavras:
- Só Deus é rei.
No mesmo instante ergueu-se um murmúrio escandalizado entre os cortesãos de vestes levemente esvoaçadas pela brisa. O rei não se atreveu a irritar-se. Sorriu, levantou a mão para impor silêncio e pediu ao audacioso que repetisse o cumprimento, estendendo o ouvido e torcendo o nariz, como se tivesse escutado mal.
- Só Deus é rei - repetiu o homem, impassível e firme.
Então o rei sentiu-se cruelmente ferido no seu orgulho, mas não deixou que tal transparecesse. Respondeu:
- Homem, a tua insolência é de louco ou de herói. Quem és tu?
- Um camponês do teu país. Cultivo a minha terra na orla da cidade e apenas ambiciono alimentar convenientemente a minha mulher e os meus filhos durante o tempo que me for concedido para viver.
- Mereces a minha consideração e a minha confiança - disse o monarca.
Tirou do dedo um anel de ouro cinzelado, estendeu-lho e acrescentou:
- Confio-te este sinal da minha realeza, que os meus inimigos tanto cobiçam. Guarda-o preciosamente, porque, se o perderes, deverás pagá-lo com a tua vida. Que seja assim honrado aquele que não tem outro rei senão Deus.

O homem saudou-o e voltou para casa com o anel no seu punho cerrado.
Uma semana mais tarde o senhor do reino mandou-o chamar. Tiveram dificuldade em arranjar-lhe lugar diante do trono.
- Tenho uma missão a confiar-te - disse-lhe. - Preciso de pedreiros e artífices habilidosos para construir a nova muralha da minha cidade. Visita todas as aldeias do país, mesmo as mais distantes, e traz-me os homens de que careço.
Aquele que era agora conhecido pelo povo por SÓ-DEUS-É-REI voltou nesse instante para casa, escondeu num chifre de carneiro o anel real que lhe fora confiado e disse à mulher:
- Tenho de partir em viagem. Na minha ausência, toma conta deste objecto. Que te seja tão querido como a minha própria vida.
Beijou-a, apertou os filhos nos braços, depois montou no burro e partiu.

Mal saíra da cidade, o rei enviou, em segredo, um mensageiro a casa da mulher de SÓ-DEUS-É-REI. Esse homem, de olhar resplandecente, ofereceu à esposa receosa mil conchas pelo chifre de carneiro onde estava o anel. Com as mãos trémulas e o coração palpitante ela empurrou-o. Então ele abriu diante dela três cofres cheios de roupas magnificamente tingidas e tecidas a fio de ouro. Ela levou-as ao rosto, inspirou o seu perfume, vestiu-as, contemplou o seu esplendor num espelho de cobre, fechou os olhos e apontou a viga da casa, em cujo vão estava escondido o chifre. O mensageiro levou-o apressadamente ao seu amo. Logo que o rei teve na mão o anel, deu uma gargalhada e resmungou maliciosamente:
- Façam-me um anel novo e deitem este no lago mais profundo do país.
Dois servidores partiram imediatamente a correr e fizeram o que lhes fora ordenado.

No caminho de regresso Só-Deus-É-Rei e a sua equipa de pedreiros pararam uma noite numa aldeia de pescadores onde lhes ofereceram tantos frutos e bebidas fortes, tantos cantos e risos, que decidiram ficar por alguns dias entre essa gente de bem antes de enfrentarem a savana rude que os separava da cidade real. No dia seguinte acompanharam os homens à pesca, donde voltaram ao crepúsculo com as redes pesadas e escorrendo água.
Quando alinharam os peixes sobre o grande leito de folhas verdes no centro da praça, um ainda se mexia. Tinha um tamanho que se impunha e era cintilante como as águas de um lago sob as chamas do sol-poente. Uma criança agarrou-o, pegou na faca do pai, baixou-se e abriu o ventre do animal, como via os outros fazerem. Então de entre as entranhas apareceu uma anel brilhante. Na ponta da faca, a criança, espantada, estendeu-o a Só-DEUS-É-REI, que se encontrava próximo. Este examinou-o e, com os olhos inflamados e a boca aberta, reconheceu o anel que o rei lhe havia confiado. Tinha sido lançado naquele lago. Um peixe engolira-o. A criança segurava-o agora na mão. SÓ-DEUS-É-REI deu uma gargalhada. Nessa noite festejou com a alegria desabrida de um miraculado.

Alguns dias mais tarde os viajantes chegaram à cidade real. SÓ-DEUS-É-REI, regressado a casa, beijou a esposa e perguntou-lhe pelo chifre de carneiro. Ela respondeu-lhe que um rato o havia roído, e engolido, sem dúvida, o anel. Franziu o sobrolho, com as mãos nas ancas. Mal ela se escapou para a rua, temendo a cólera do esposo, apareceram quatro guerreiros da guarda do palácio. Conduziram o homem junto do monarca, que saudaram em voz alta logo que entraram na sala do trono:
- Viva o rei para sempre!
- Viva o rei para sempre! - repetiram, em coro, os cortesãos reunidos.
O rei mandou-os calar com um gesto impaciente, fez sinal para que avançasse aquele que tinha ferido o seu orgulho e pediu-lhe o anel de ouro. Este enterrou a mão no grande bolso do seu traje e estendeu-lho, dizendo:
- Na verdade, só Deus é rei.
O monarca soltou um murmúrio de admiração, suspirou e respondeu, abanando a cabeça:
- Homem, tens toda a razão. Só Deus é Rei.

Dividiu então o reino em duas partes iguais e ofereceu uma delas a SÓ-DEUS-É-REI, cujo nome se tornou tão caro ao coração dos Haoussas que ainda hoje se divertem a escrevê-lo nas traseiras dos camiões, autocarros e barcos de pesca para que seja espalhada aos quatro ventos esta história estranha e verdadeira, sem a qual a vida não seria digna de confiança.

Henri Gougard
A ÁRVORE DOS TESOUROS - lendas do mundo inteiro.