sexta-feira, 9 de julho de 2010

A RESPOSTA DE DEUS



Durante a guerra, grandes aviões com a sua carga mortal sobrevoaram a Áustria. Milhares de casas foram destruídas, fábricas incendiadas, e a capital passou por grande aflição. Inúmeras famílias foram deixadas sem lar, como costuma acontecer quando há guerra.
O Jorge e a Maria voltaram um dia da escola para casa, apenas para descobrir que não somente a casa tinha sido destruída pelas bombas, como tanto o pai como a mãe tinham sido mortos. Os vizinhos levaram-nos, como a muitas outras crianças sem lar, para o grande orfanato da cidade.
Bem podemos imaginar a tristeza e a amargura daquelas pobres crianças. Contudo, elas não se esqueceram dos ensinamentos dos pais, e muitas vezes, ao encontrarem-se no vestíbulo do orfanato, cruzavam as mãozinhas e oravam ao Pai celeste. Não sabiam o que o futuro lhes reservaria.

Um dia foi anunciado que um país vizinho se oferecia para arranjar lares para muitas daquelas crianças. Todos estavam agitados e felizes no dia da partida. O Jorge e a Maria saíram correndo com os poucos pertences debaixo do braço e entraram no autocarro que os levaria até à estação, onde tomariam o longo combóio. Seria a sua primeira viagem de combóio.
Centenas de crianças seriam levadas da pátria para um país estranho, onde deveriam encontrar novos lares – novos pais e novas mães.
Quando soou o apito, o combóio começou a movimentar-se, ganhando velocidade. Em breve cortava os campos com rapidez, enquanto ansiosos olhinhos observavam cenários que nunca seriam esquecidos. O Jorge e a Maria, porém, não estavam tão ocupados que não pudessem de vez em quando cruzar as mãozinhas e curvar a cabecinha para uma oração:
- Querido Jesus, Tu sabes que perdemos o nosso papá e a nossa mamã. Dá-nos, por favor, um novo lar. Não permitas que sejamos separados, e envia-nos para o lar mais conveniente.

A certa altura o combóio diminuiu a velocidade e parou numa estação. Crianças e mais crianças saíram das superlotadas carruagens e fizeram filas na plataforma. Muita gente da cidade ali estava, a fim de escolher uma criança e adoptá-la.
Aqui e ali uma era escolhida por ansiosos casais que fitavam aqueles orfãozinhos de um país estranho. Aqueles rostinhos tristes voltavam-se para cima para verem os seus novos pais. Os que ficavam voltavam para o combóio e viajavam para a próxima cidade.
Durante o dia inteiro, repetiu-se a cena, enquanto o longo combóio, hora após hora, carregava aqueles pequenos seres humanos para novas aventuras. De quando em quando o Jorge e a Maria repetiam a oração, para que de alguma maneira Deus encontrasse para eles o lar apropriado.

Estava quase escuro quando o combóio parou outra vez numa grande estação. O Jorge e a Maria separaram-se ao descer do combóio para a fila, onde, conforme pensavam, seriam passados por alto, como tantas vezes já tinha acontecido antes.
Nessa manhã, naquela cidade, um casal cristão estava a fazer o culto matinal quando uma batida na porta anunciou a chegada do jornal matutino.
Depois de terminado o culto passaram os olhos pelo jornal para lerem as principais notícias:
“Um combóio de crianças austríacas chega esta noite”, foi o que lhes atraiu a atenção.
A bondosa senhora olhou para o marido e disse:
- Querido, esta é a nossa oportunidade de conseguirmos o menino que há tanto tempo tu desejas.
O marido respondeu com um sorriso:
- Não, querida, tu sempre desejaste uma menina, e eu não quero ser egoísta. Enquanto vou trabalhar, tu vais à estação e, quando o combóio chegar, escolhe uma linda menina de cabelos encaracolados, para nós.
Por algum tempo estiveram decidindo se devia ser menino ou menina. De uma coisa estavam convictos: só poderiam cuidar de uma criança.
Existia no coração de ambos uma simpatia especial pelos austríacos, pois ambos tinham parentes na Áustria.
Finalmente chegaram à conclusão de que adoptariam um menininho que tivesse cabelos ondulados, ombros largos, e se parecesse com o pai adoptivo.

Quando o combóio parou na sua cidade, aquela noite, e as centenas de crianças fizeram fila para procurar os novos pais, a Sra D. Bergman estava lá.
Andou avidamente de um lado para o outro, contemplando os rostinhos magros e tristes das pequenas vítimas da guerra. Podia ler histórias de desapontamento, desolação e fome em muitas faces.
Finalmente notou um rapazinho que parecia ter as feições procuradas, ombros largos, cabelos com ondas e ar tranquilo. Havia algo nele que lhe atraíu a atenção. Parecia-se com alguém que ela já vira antes. Aproximou-se dele com um sorriso:
- Tu queres vir para a nossa casa? Temos um baloiço no quintal e nenhuma criança para brincar nele! Eu gosto de homenzinhos como tu. Vens comigo?
Jorge continuou erecto e impassível. Finalmente respondeu com a sua vozinha fina:
- Sim, eu gostaria de ir com a senhora e brincar no baloiço, mas tenho uma irmãzinha e queremos ficar juntos.
A sua vozinha tremeu um pouco na última palavra, e lágrimas brilharam-lhe nos olhos.
- Oh, mas a tua irmãzinha será acolhida noutra parte! Nós só podemos ficar com um. Vem comigo! – rogou a D. Bergman.
- Mas nós pedimos a Jesus que nos mandasse para a mesma casa e temos a certeza que Ele terá um lugar onde poderemos ficar juntos, pois perdemos o nosso pai e a nossa mãe – disse o pequeno, num soluço.

O coração da senhora ficou tocado. Ali estava um menino que cria em Deus e cria que Ele havia de responder à sua oração.
Respondeu rapidamente:
- Onde está a tua irmãzinha? Vai buscá-la, para eu a ver.
O pequeno correu, procurando-a na fila, e voltou em seguida com ela pela mão. Ambos pararam, fitando a bondosa senhora com olhar suplicante.
- Aqui está ela – disse Jorge com um sorriso.
Lágrimas brotaram dos olhos da senhora, enquanto sentia um nó na garganta. Que injustiça estaria praticando ao separar aqueles irmãozinhos, únicos sobreviventes daquela família destruída pelo bombardeio!
Convenceu-se de que devia aceitar os dois. Olhando-os intensamente, disse:
- Bem, queridos, não sei o que o meu marido dirá, mas vou levar vocês os dois. Venham comigo e logo chegaremos a casa.
Com exclamações de alegria eles disseram adeus aos companheiros, e logo se perderam no meio da multidão, seguindo a sua nova mãe até ao carro, lá embaixo, na estação.

Pouco depois estavam sentados na sala de uma boa e ampla casa, esperando algo para comer. A D. Bergman estava na cozinha preparando alguma coisa para os pequenos famintos que agora pertenciam à sua família.
Com os olhos bem abertos Jorge e Maria observavam tudo o que havia na casa. Realmente estavam contentes de estar nesse novo lar, mas ainda um pouco receosos do futuro. De repente, Jorge apontou o dedo magro para o retrato de uma mulher que estava sobre o piano.
- Vê! – disse ele a Maria – parece...
Não pôde continuar. Um soluço embargou-lhe a voz e ambos começaram a chorar. Não puderam controlar as emoções.
Quando a D. Bergman ouviu os soluços, veio a correr para ver o que havia.
- O que é que vocês têm? Que aconteceu? Não estão satisfeitos aqui?
- Sim – disse a menina por entre as lágrimas.
- Estamos contentes.
- Então porque estão a chorar?
Logo que se acalmaram um pouco, olharam para a face maternal da D. Bergman e apontaram para o quadro sobre o piano.
A senhora fitando o retrato disse:
- Sim, é a minha irmã. Porque vocês choram ao ver essa fotografia?
A menininha soluçou:
- Essa é a minha mãe!
Então a D. Bergman concluiu que a sua irmã, que há anos tinha ido para a Áustria, e da qual não tinha notícias havia já quatro ou cinco anos, teria sido morta no bombardeio.

Depois de minucioso interrogatório, ficou certa de que estes eram realmente os filhos da sua irmã.
Oh, que alegria houve naquele lar, e que gratidão por Deus ter ouvido as orações daquelas crianças deixadas sem lar!
Compreenderam que há realmente um Deus que ouve e responde de modo maravilhoso às orações.




J. Hackett in O Expresso da Meia-Noite e Outras Histórias
(Compilação de Rubem M. Scheffel)