sexta-feira, 12 de março de 2010

JESUS E A SAMARITANA
NO CONTEXTO DO MUNDO ACTUAL


Os ensinamentos de Cristo revestiam-se de flagrante actualidade há vinte séculos, e da mesma actualidade se revestem em nossos dias.
Se tomarmos, por exemplo, o episódio do encontro de Jesus com a mulher samaritana, constatamos que as verdades então proferidas se aplicam tanto à realidade de então como às realidades da hora presente.

O evangelista João, ao descrever a cena no capítulo 4 do seu evangelho, põe em evidência o movimento progressivo do diálogo, em que a mulher começa por tratar Aquele Estrangeiro por tu, para em seguida lhe chamar senhor, pouco depois O reconhecer como profeta e finalmente O aceitar como o Messias.
Com efeito, o diálogo começa com a pergunta: "Como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (verso 9). Depois de o seu interlocutor lhe dizer: "Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que Eu lhe der, nunca terá sede, porque a água que Eu lhe der se fará nele uma fonte que salte para a vida eterna", - então Lhe pede a mulher: "Senhor, dá-me dessa água para que não tenha sede e não venha aqui tirá-la" (versos 13-15).  Ao constatar, em seguida, que Jesus conhece os mais íntimos segredos da sua pecaminosa vida, a samaritana exclama: "Senhor, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar" (versos 19-20).
Ao prosseguir o diálogo, o Mestre encaminha-a para o seu clímax: "Mulher, crê-me que a hora vem em que nem neste monte (a actual Cisjordânia) nem em Jerusalém adorareis o Pai. ...Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, porque o Pai procura a todos que assim O adorem. Deus é espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e em verdade" E quando ela afirma: "Eu sei que o Messias vem; quando Ele vier, nos ensinará tudo", então Jesus lhe dá a resposta final: "Eu O sou, Eu que falo contigo" (versos 25-26).
É nesse momento que a samaritana, «deixando o seu cântaro, foi à cidade, e disse àqueles homens: "Vinde, vede um homem, que me disse tudo quanto tenho feito, porventura não é este o Messias?"» (versos 28-29).
Como resultado, os samaritanos foram ter com Jesus e creram n´Ele e rogaram-Lhe que ficasse com eles e ficou Ele com eles dois dias. E muitos mais creram n`Ele por causa da Sua palavra. E diziam à mulher: "Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos O temos ouvido, e sabemos que Este é verdadeiramente o Messias, o Salvador do mundo" (versos 40-42).

Segundo o ensino do Mestre, o verdadeiro culto centraliza-se num relacionamento pessoal, em espírito e verdade, entre o homem e Deus, e não em determinado local como sede de poder político de aparência religiosa - fosse ele Samaria ou Jerusalém. Todos os meios de comunicação social dos nossos dias dão particular realce aos movimentos políticos de duas religiões monoteístas, ambas empenhadas na consecução do poder - o judaísmo político e o islamismo político.
O judaísmo político está baseado no facto de que a nação judaica nunca deixou de existir, apesar de todas as vicissitudes da História, justificando, por isso, a criação de um Estado Judaico.
Por sua vez, embora o islamismo político tenha dominado na Palestina desde 637, a verdade é que durante os últimos trezentos anos (de 1517 a 1917) a Palestina havia-se tornado uma simples província do Império Otomano (Turquia), também ele islamita. Tendo-se, porém, a Turquia aliado à Alemanha durante a I Guerra Mundial, a Palestina, após a derrota da coligação germano-turca, ficou sob o mandato britânico, oficialmente reconhecido em 16 de Setembro de 1922 pela recém-criada Sociedade das Nações.
Após a II Guerra Mundial, a Assembleia Geral da ONU, em 28 de Setembro de 1947, encarregou uma Comissão especial de se dedicar ao estudo de uma solução para o problema em causa. Após 32 sessões de trabalho, esta Comissão pronunciou-se a favor da divisão da Palestina em dois estados independentes, um Árabe e outro Israelita, com uma zona internacional de Jerusalém sob o controlo das Nações Unidas.
Após apaixonado debate, este projecto foi adoptado pela Assembleia Geral da ONU em 29 de Novembro desse mesmo ano de 1947, com a maioria requerida de dois terços dos votos.
Na sequência dessa resolução, em 14 de Maio de 1948 foi, por Ben Gurion, proclamado o Estado de Israel, com a capital em Telaviv. Dois dias depois, foi eleito como presidente o Dr. Chaim Weizmann.
Nessa altura podia ter sido igualmente proclamado o Estado Palestiniano, mas não o foi, pela simples razão de a poderosa Liga Árabe nunca ter reconhecido a independência do Estado de Israel, facto esse que passou a ser denominado, na sua língua, como sendo a Nakba - a Catástrofe.

Com os seus agitados e prolongados acidentes de percurso, com ocasionais prometedoras soluções de realismo conciliatório e inabaláveis radicalismos levados ao extremo de ataques suicidas, ainda não foi alcançada a solução definitiva. Estaremos a caminho dela com a execução gradual do road map - do roteiro para a paz? Terá finalmente de se reconhecer que não há solução humana para o problema?
O que é certo é que, de acordo com as palavras do Divino Mestre, "a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim O adorem. Deus é espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e em verdade."

Chegamos assim à conclusão de que o que realmente importa, na sua projecção eterna, não é, para os Judeus, o Muro das Lamentações e a eventual construção de um futuro Templo, nem, para os Islamitas, a posse integral e exclusiva da esplanada da Al-Aqsa (das Mesquitas), mas sim que os membros das duas religiões - e de qualquer outra religião - se relacionem com Deus em espírito e em verdade, independentemente da solução realista, razoável e segura quanto ao local da sua habitação e da sua adoração.


Ernesto Ferreira
Revista SINAIS DOS TEMPOS - 3º Trimestre 2003
Casa Publicadora SerVir - Sabugo - Portugal