sexta-feira, 12 de outubro de 2012

PAIS, PROFESSORES E ALUNOS


A ESCOLA DA ADVERSIDADE
(...) Meu avô nasceu nos primeiros anos do século XIX, quando os imperadores Manchu ainda reinavam na China. Depois que ele passou nos exames do governo para receber o alto grau de letras, foi nomeado governador da importante província de Kuang-tung, ao sul. Assim, deixou a esposa, seis filhos e uma filha em Hangchou e fez a longa viagem para o sul, a fim de assumir o mandato.
Mal havia chegado, apanhou grave enfermidade e morreu. Quando minha avó recebeu a notícia ficou aturdida. Permaneceu sentada, imóvel como uma estátua, por vários dias. Em vão, seus filhos procuravam movê-la, fazê-la falar, comer, dormir. Ela não se mexia, ficava apenas olhando para a frente.
Agora, sem qualquer meio de sustento, teria que criar seis filhos e uma filha. Ela, que estava a costumada a todo o conforto, precisaria trabalhar dia e noite. Precisaria despedir os empregados, vender a casa e toda a sua roupa fina. Sua família aprenderia a comer sopa de arroz e repolho.

Mas ela resolveu que, viesse o que viesse, todos os seus filhos seriam homens de letras, como era a tradição da família.

Meu pai era o segundo filho. Muitas vezes ele nos contou da pobreza de seus tempos de menino.
- Como pensam vocês que eu me eduquei? - Perguntava a meus irmãos, quando eles se queixavam de algum trabalho difícil.
- Nem tínhamos professor ou os livros de que precisávamos. Eu tinha de andar, com o vento tocando redemoinhos de neve em volta, por vários quilómetros, para tomar emprestado um livro, e ainda com a promessa de devolvê-lo em dia marcado. Então, nós, os rapazes, depois de um dia de trabalho árduo, nos sentávamos ao redor da mesa e copiávamos do livro emprestado. No centro, um pequena taça de óleo, com um pavio que boiava, dava uma luz fraca. Quando ficávamos com fome, comíamos um punhado de arroz frio da cesta de cozer arroz. Nos meses de inverno, nossas mãos ficavam tão frias que quase não podíamos segurar a caneta. Vocês não sabem o que é dureza!

Mas a família conseguiu sobreviver. Os rapazes, em grande parte, se educaram por si mesmos: os mais velhos ensinavam aos menores. Quando ficaram homens, se prepararam para fazer os exames de letras, que davam oportunidade para cargos nas cortes, como tinham feito o pai e o avô. À filha, naturalmente, não deixaram estudar. Era apenas uma menina, e tinha que aprender a fazer o serviço de casa.
Meu pai e seu irmão mais velho passaram nos exames de primeiro grau, em Hang-Tcheú e, mais tarde, foram a Nanquim, para os de segundo grau. No dia marcado, os irmãos apareceram na Casa de Exames. Estavam ambos trajados de vestes longas de algodão azul e casacos curtos, pretos. Traziam os cabelos em longas tranças, bem cuidadas, e usavam pequenos bonés. Cada um levava uma cesta contendo frutas, penas, tinta e uma tigela e pauzinhos.

À entrada, havia toldos de cores vivas. No portão, dois auxiliares deram uma busca enérgica nos rapazes, para ver se traziam algum livro ou papel escondidos. Entraram num pátio, onde se movimentavam muitos estudantes e auxiliares. Uma alta torre dominava as longas fileiras de cubículos de exames, que se estendiam para os quatro lados. Cada fileira tinha uns cem lugares, que davam para um estreito corredor, e os alunos ficavam expostos ao tempo, desse lado.
Os dois irmãos estavam muito nervosos, e ficaram juntos para infundir coragem um ao outro. Foram-lhes dados cubículos separadas, onde puseram suas cestas. Esses cubículos eram do tamanho de uma cabina telefónica, contendo uma estreita tábua como assento, um nicho na parede, para uma lamparina, um prego para pendurar a cesta, e mais uma tábua para servir de mesa.

Os examinadores chamaram logo todos para o pátio, fizeram a chamada e deram, a cada estudante, um rolo de papel. Esse rolo era o único papel que cada qual receberia; portanto, cada um guardou o seu, cuidadosamente, no bolso da túnica. Quase ao anoitecer, os examinadores foram ao portão da rua e o fecharam e lacraram com grande cerimónia. Isso era o sinal de que os exames iriam começar. Durante três dias e três noites, ninguém poderia entrar ou sair por motivo algum.

Lá em cima, na torre, surgiu um examinador, que fez soar um gongo para chamar os estudantes ao pátio. Olharam para cima e viram o examinador agitar uma bandeira. Declarou ele, em alta voz: "Ó vós, espíritos dos mortos! Contemplai a estes estudantes aqui congregados! Se algum vos tem ofendido por palavra ou ação, puni o ofensor e vingai a injustiça". Os estudantes, já nervosos, e que criam em espíritos maus, tremiam de medo, alguns quase desmaiando. O gongo soou mais uma vez, e os estudantes se retiraram, cada um para o seu cubículo.
Um auxiliar, levando uma lanterna acesa, com o tema da prova escrito aos lados, passou vagarosamente por cada corredor, dando aos estudantes tempo para verem claramente o tema do exame. Durante os três dias e três noites, os estudantes não podiam deitar-se para dormir, nem conversar com outra pessoa. Um auxiliar fazia a ronda pelos corredores, para que não se pudesse copiar.

À hora das refeições, ao soar do gongo, cada qual levava a sua tijela e pauzinhos para o pátio, onde havia um grande caldeirão de sopa de arroz bem quente. O estudante servia-se de quanto quisesse, comia avidamente e voltava ao seu cubículo. A luta para preparar-se, a preocupação e a concentração prolongada eram tão grandes que acontecia morrerem alguns estudantes sob a penosa prova, sendo os seus corpos retirados por uma portinhola secreta no muro.

Terminado o exame, cada qual assinava o seu nome na margem designada, dobrava a folha de papel, selava-a e entregava o trabalho ao examinador. Então, quando se abria o portão, todos saíam cansados demais para conversar, e só procuravam um lugar para deitar-se e dormir algumas horas. Os exames eram estritamente imparciais. Os assuntos sempre requeriam um conhecimento extenso das ciências políticas. A junta de examinadores lia cada exame e o julgava por seus méritos, antes de desvendar a assinatura do autor. Nomeavam-se aqueles que tinham as notas mais altas. Esse sistema funcionou na China, desde o ano 600 A.D.

Certo dia, um mensageiro entregou à minha avó uma carta oficial, na qual se dizia que meu pai havia passado nos exames. Minha avó não tinha dinheiro para pagar ao mensageiro, que trouxera as boas novas. Portanto, ela levou um casaco a um vizinho e o depositou, como garantia de um empréstimo. Ela e meu pai ficaram muito satisfeitos, mas meu tio ficou tão decepcionado que foi para o quarto e chorou. Logo, porém, chegou outro mensageiro com uma carta, que dizia haver passado também meu tio. Outro casaco foi levado ao vizinho sendo emprestado o dinheiro para pagar ao segundo mensageiro, e a família se assentou para festejar a grande ocasião, com menos agasalhos, mas muito orgulho.
Cada membro da família, a seu tempo, recebeu um cargo político importante. Meu tio mais velho tornou-se vice-governador da província de Ho-Pe indo morar em Tientsin. Meu pai veio a ser vice-governador de Kiang-Su, indo morar em Nanquim. Depois, tornou-se governador e ocupou muitos outros cargos importantes. Meu terceiro tio veio a ser alto funcionário (Taotai) em Pequim; o quarto, prefeito de Paotinfu; o quinto, prefeito de Yangcheú; e o sexto, prefeito de Siangyang, em Hu-Pe. Quanto à menininha desprezada, casou-se com um alto funcionário, assessor do Imperador. Assim, a adversidade trouxe as suas recompensas!

Muitos anos depois, meu pai tornou-se chefe da Casa de Exames, em Nanquim. Vestia ele seu traje de gala, seu chapéu com plumas de pavão e um botão vermelho no topo (que eram as insígnias de um alto funcionário), e partia no seu palanquim verde, transportado por oito homens. Cavaleiros aparatados o precediam e seguiam.
Meu pai sempre teve profundo carinho para com os pobres, e muito fazia em favor deles. Uma noite, durante os exames, decidiu ver pessoalmente o que se passava lá em baixo. Despiu as vestes oficiais, vestiu as roupas de um servente, e desceu as escadas. No escuro do pátio, ouviu alguém soluçando. Achou um estudante todo encolhido num degrau, chorando como se estivesse com o coração partido.
- Que foi? Quem é você? - perguntou meu pai.
- Meu nome é Hung, e sou de Wusih. Minha mãe é viúva e tão pobre que não podia mandar-me para aqui. Mas, alguns amigos emprestaram-me o dinheiro. Porém, meu exame caiu na fossa! Não tenho mais papel. Não posso voltar e dizer à minha mãe que perdi esta oportunidade. Ela morreria de desgosto. Só me resta matar-me.
Meu pai condoeu-se:
- Tenho um rolo de papel de que não preciso, disse ele. Irei buscá-lo, e você poderá escrever seu exame novamente. Espere aqui.
Quando meu pai voltou, o moço olhou-o de frente, reconheceu ser ele o Examinador Chefe, e fez-lhe uma reverência.
- Meu senhor - exclamou ele - lembrar-me-ei do senhor com gratidão por toda a minha vida. Salvou-me a mim e à minha mãe. (...)

Texto extraído do livro A Rainha do Quarto Escuro de Christiana Tsai, Editora Fiel Lda, São Paulo, Brasil, 1980.

HUMILDADE:  VIRTUDE DE MESTRE

       Figura indispensável na sociedade, o professor terá muito mais sucesso a longo prazo se ensinar com humildade. Mas isso nem sempre acontece.
       Faz pouco tempo, um senhor estendeu-me a mão e perguntou se eu era Pastor. "Sou Professor", respondi. Então de maneira delicada ele disse: "É sacerdote do mesmo jeito."
       O Novo Dicionário Aurélio define o termo "sacerdote", no sentido figurado, como "aquele que exerce profissão muito honrosa ou cumpre missão elevada".
       De certa maneira, o professor desempenha um papel assim. Ele é, também, uma pessoa "marcada", pois nele se concentra constante atenção. Suas atitudes, acções e opiniões são observadas pela sociedade que reclama a sua confiança. Portanto, o que ele faz em público e até em particular têm reflexo social. Há, nesse caso, alguma semelhança entre o sacerdote e o professor. Os dois são amplamente observados e criticados, porque deles se exige comportamento digno de exemplo.

       Estamos no Ano Internacional do Professor Adventista, e nada melhor do que refletir sobre uma das principais qualidades dos mestres, a humildade. É claro que aqui não há pretensão alguma em ditar o comportamento do professor. Longe disso. Nosso objetivo é despertar o interesse por essa virtude, a qual consideramos indispensável e urgentemente necessária.

       Vivemos num contexto deprimente no que diz respeito à educação mundial. A figura do professor anda desvalorizada e, devagar, vai-se apagando na sociedade. Quais seriam as causas relevantes de tal situação? Possivelmente, uns tantos movimentos de classe, reivindicando direitos trabalhistas e económicos. É lamentável, mas as questões salariais têm invadido as aulas. A reivindicação por melhores salários pode até ser justa, mas efectuada no lugar errado. Questões dessa natureza, levadas para as salas de aulas, acabam transformando a acção educativa numa paixão financeira que gera intranquilidade entre os alunos e insegurança quanto ao seu futuro. A falta de professores bem preparados, que ensinem e vivam a real educação, também pode ser outra causa da degradação do ensino nos nossos dias. Ou quem sabe o descrédito esteja sendo causado pelas tentativas de se vender ideologias político-partidárias camufladas nas matérias. Ou, simplesmente, o professor não mais é valorizado pelo facto de a profissão proporcionar pouco destaque social hoje em dia. Ou talvez...

       Bem, sejam quais forem as causas, o importante é ter consciência de que ainda temos um papel a desempenhar na formação de uma sociedade melhor e mais justa. E de que, para isso, precisamos muito da virtude da humildade.


       Lembro-me de uma história, contada por um escritor anónimo, sobre a atitude de dois professores. Ambos ensinavam na mesma escola, mas dentro de parâmetros opostos. Um, jactancioso, gritava e não parava um momento sequer de gesticular, e ameaçar os alunos indisciplinados. O outro falava de maneira calma, com voz mansa e serena. Qual obteve melhores resultados? Obviamente, o segundo. O seu jeito tranquilo e amigo transmitia paz e segurança aos educandos.

       Analisando as características comportamentais de um professor desse segundo tipo - o ideal -, Adelaide Lisboa de Oliveira chama-o de 'sugestivo' (inspirador, motivador). E eu não hesitaria em acrescentar que ele é sugestivo porque é humilde.
       Um professor assim é capaz de amar, e de ser amado por todos. Motivado por um alto ideal, o de se realizar através do sucesso dos seus alunos, ele não teme que o alcancem e o superem; o progresso dos seus discípulos constitui a sua felicidade. Fazendo do seu magistério um bem à causa da humanidade, oferece à apreciação dos alunos a sabedoria, a beleza, a bondade, a alegria e a humildade.

       George Herbert Betts fala da felicidade de um humilde professor que teve Grover Cleveland como aluno. Conta ele: "Um dia, Cleveland chegou à escola sem o seu compêndio, e o professor emprestou-lhe o seu. Mais tarde, Grover Cleveland tornou-se Presidente dos Estados Unidos. Certa ocasião, numa recepção pública o professor era uma das pessoas que esperavam para cumprimentar o Presidente.
       - Reconhece este livro, e lembra-se de mim?
       Chamando o professor pelo nome, Cleveland apertou-lhe a mão e segurou-a enquanto a multidão esperava. Tomando então o velho livro, autografou-o para o professor, lembrando os bons tempos da escola."

O Professor Humilde

       Além de ser um humilde professor, o mestre de Cleveland era também um professor humilde, com certeza. E, seguramente, Jesus aprova um comportamento assim. "Felizes os humildes, pois receberão o que Deus tem prometido", disse Ele aos Seus discípulos (A Bíblia na Linguagem de Hoje, Mateus 5:5).

       Mas o que é ser um professor humilde? É reconhecer que nunca somos totalmente sábios, que sempre temos algo a aprender com os outros. É não reter a sabedoria para si, mas oferecê-la aos alunos. Humildade é descer do pedestal e curar as feridas da ignorância dos educandos, acendendo a candeia da verdade, do optimismo, da ternura. Para isso, o professor precisa perdoar as injustiças e ter um viver perene e equilibrado; deve vestir o 'guarda-pó' branco surrado pelo tempo e orar diariamente: "Senhor, faze com que neste dia de aulas eu possa aprender 'alguma coisa de tudo e tudo sobre alguma coisa', pois sou um aluno permanente. Faze, Senhor, que eu 'estude como se fosse viver eternamente e viva como se fosse morrer amanhã'".


       Como construtor de caracteres e do pensamento humano, o professor tem a grande tarefa de apresentar aos alunos e ao mundo a luz da sabedoria divina. Isso porque, como alguém escreveu, o propósito da educação é mostrar Deus revelado; o objetivo imediato da educação é qualificar o homem para revelar a Deus; o objectivo último da educação é o reino de Deus porvir; e o centro da educação cristã é Cristo, que é a Auto-Revelação Pessoal de Deus.

       Quando sentimos que não somos nada para realizar esse propósito, a melhor coisa a fazer-se é recorrer ao ensino de John Falvel: "Quando Deus pretende encher uma alma, Ele primeiro a esvazia. Quando Deus deseja enriquecer uma alma, Ele primeiro a empobrece." Aí está: uma das formas práticas de se viver a religião, e de capacitar-se para o magistério, pode ser exactamente a humildade.

       Preocupada com a questão dos professores adventistas já na sua época, Ellen White disse: "Tenho ardente desejo de que aprendais cada dia do Grande Mestre. Se vos chegardes primeiro a Deus, e depois aos vossos discípulos, podereis realizar um trabalho deveras precioso. Se fordes diligentes e humildes, Deus vos dará dia a dia o conhecimento e a aptidão para ensinar." - Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, pág. 227.
O Olhar de Jesus

       De facto, o relacionamento com Deus é muito importante para o professor, porque isso vai fazer com que ele se relacione da forma mais correcta com os alunos. E o ser humano torna-se alguma coisa (ou não) dependendo da maneira como o educador se dirige ao aluno!
       Jesus Cristo sabia disso. No Seu julgamento, ensinou a Pedro a maior lição da sua vida, apenas com um olhar. "Se o olhar de Jesus, lançado sobre ele, tivesse expressado condenação em lugar de piedade; se ao predizer o pecado tivesse Ele deixado de falar em esperança, quão densas não teriam sido as trevas que cobririam a Pedro", comenta Ellen White, no livro Educação, pág. 90. No entanto, Jesus soube olhar para Pedro. O carácter do discípulo foi construído com o olhar da humildade divina.

       No primeiro século depois de Cristo, o latino Séneca, pensando na forma como os professores ensinavam, deixou a sua filosofia escrita: "Que tolice aprender o supérfluo quando o tempo nos é avarentamente medido! Não se deve aprender coisa alguma exclusivamente para a escola, mas para a vida, a fim de que os alunos não tenham de lançar ao vento nenhuma de suas aquisições ao sair da escola."
       Isso é ensinar com humildade, também. Quando se ensina com humildade, pouca coisa ou nada se deita fora - mesmo porque o exemplo faz o nosso ensino dar frutos.

Companheiro de trabalho: Se você é professor e espera que no futuro façam uma estátua em sua homenagem para ser colocada em praça pública, então que essa estátua se quebre antes de ser construída.
O maior mestre que passou pelo mundo, Jesus Cristo, viveu e ensinou a humildade. E por ser humilde, pregaram-n’O numa cruz. Porém, as Suas lições têm perdurado através dos séculos, transformando caracteres. Lembremo-nos disso.
Gideon Carvalho De Benedicto, Professor no Novo IAE, Brasil, Pós-graduado em Economia de Empresas e com Mestrado em Contabilidade, in Revista Adventista Brasileira, Agosto de 1989.

"A verdadeira educação significa mais do que avançar em certo curso de estudos. É muito mais do que a preparação para a vida presente. Visa o ser todo, e todo o período da existência possível ao homem. É o desenvolvimento harmónico das faculdades físicas, intelectuais e espirituais. Prepara o estudante para a satisfação do serviço neste mundo, e para aquela alegria mais elevada por um mais dilatado serviço no mundo vindouro." Ellen White in Educação, pág. 13.