sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A NOITE EM QUE AS NOSSAS NECESSIDADES
FORAM RESPONDIDAS


CADA  NATAL  SE  PRESTARMOS  ATENÇÃO,  CONSEGUIREMOS  OUVIR  O  QUE  DEUS  DIZ  ÀQUELES  QUE  TRABALHAM  NO  TURNO  DA  NOITE.

Desde os meus tempos de criança sinto uma espécie de piedade no meu coração por todos aqueles que passam as horas da noite a trabalhar. Talvez fossem as histórias que o meu pai me contava, acerca do trabalho que fazia numa fábrica de plásticos enquanto estudava, que me impressionaram e fizeram sentir desse modo.

Embora nunca tenha estado no local, consigo imaginar frios pisos de cimento e armazéns sem fim, máquinas de moldar e injectar que funcionam interminavelmente na fabricação de pacotes de plástico para cereais, luzes mortiças suspensas de tectos cheios de rachas. O meu pai ficaria espantado, se soubesse o êxito que as suas histórias tiveram em fazer-me desgostar da maioria das fábricas e de todos os trabalhos nocturnos.
Durante os anos de faculdade, o meu irmão mais velho trabalhava no último turno da noite da segurança da universidade. As suas histórias ainda me fizeram gostar mais do trabalho durante as horas claras do dia. Havia incontáveis caminhos escuros a percorrer durante a noite, e sombras de todos os tipos para nos assustar, até percebermos que era a nossa própria sombra. Havia o frio, que penetrava por baixo do nosso agasalho mais quente, e olhos pesados que piscavam para se manterem abertos. Havia a infindável série de relógios de ponto, que deviam ser controlados e que nos lembravam quantas horas ainda faltavam até ser dia.

Ao passar pela faculdade e pelo seminário, ainda fiquei a saber melhor o que é trabalhar à noite. Muitos dos meus amigos trabalhavam no turno das 23 h às 7 h nos hospitais da zona, e o que contavam acerca do seu trabalho nas urgências e dos seus momentos de lazer, ainda mais me convenceu de que eu tinha sido feito para trabalhar de dia. Comecei a dar um valor especial ao texto bíblico que diz: "A noite vem, em que ninguém pode trabalhar" (João 9:4). Aquilo tinha sido escrito a pensar em mim, de certeza!

No centro de todas as razões por que não deveríamos trabalhar à noite está o facto inegável de que é muito pouco valorizado o facto de se trabalhar enquanto os outros dormem. Todos podemos estar gratos aos corajosos homens e mulheres que espreitam os seus monitores durante a noite, para nos protegerem de ataques e inimigos, mas poucos de nós estaríamos dispostos a tomar o seu lugar.
Todos podemos barafustar de manhã, porque o homem do limpa-neves ainda não passou na nossa rua durante a noite, ou porque as linhas eléctricas caídas ainda não foram reparadas. Mas nenhum de nós adormece e sonha em tornar-se condutor de limpa-neves ou electricista. Atribuímos valor e uma certa posição aos felizardos que acabam o seu dia de trabalho às 5 da tarde. Mesmo nas instituições que oferecem melhores salários pelo trabalho nocturno, é raro encontrar um chefe de turno nocturno que tenha todos os empregados de que precisa.

Portanto, não sejamos demasiado apressados em 'glorificar' a sorte dos pastores que estavam nos campos à volta de Belém. O trabalho que faziam era duro e pouco invejável. Embora os cartões de Natal que decoram a nossa casa pintem a cena com um certo encanto rústico, é bom que nos lembremos que, de certo, nenhum de nós teria deixado a sua cama quentinha em Belém, para trocar com eles. Qualquer pessoa que tenha passado, ainda que só uma parte da noite, ao relento com animais de quinta, confirmará isto.
No passado, numa época em que a Europa estava no ponto mais baixo da sua decadência, era moda admirar a vida dos pastores. Eram olhados como filósofos, despreocupados, sempre a brincar, junto de ribeiros de águas límpidas onde as suas ovelhas iam beber. Essa imagem deturpada de risos e sonhos, apoiada pelo teatro e pela lírica, ainda hoje se mantém.

Mas a Palavra de Deus nunca entra nessas historietas fantasiosas. Aqueles que escreveram as palavras das Escrituras sabiam como era a vida real dos pastores, alguns por experiência pessoal, como David ou Amós. Não há falso sentimentalismo nos quadros que nos apresentam. Não tentam fazer passar a ideia de que havia algo de invejável em ser pastor, ou alguma coisa especialmente maravilhosa em guardar as ovelhas à noite nas colinas de Belém.
A maioria das pessoas a quem Deus confiou a Sua Palavra sagrada eram homens e mulheres vulgares, e a eles devemos o facto extraordinário de que as Escrituras ainda hoje falam a linguagem da humanidade real, de todos os dias.
A Palavra de Deus toca-nos onde vivemos, porque está escrita na linguagem de homens e mulheres cuja vida era muito parecida com a nossa - normal, com as suas dores, dificuldades, alegrias e trabalhos, sim, mesmo com o trabalho à noite.

DEIXEMOS  DE  TEMER

O evangelho de Lucas diz-nos que um anjo do Senhor, ainda brilhante com o reflexo da glória do próprio Deus, se aproximou destes pastores sonolentos e vulgares, que se encontravam nas planícies perto de Belém. Nem é preciso dizer que eles 'ficaram muito atemorizados'. Quem é que não ficaria? Se já alguma vez viram um raio branco e fulgurante cortar o céu nocturno e destruir uma árvore a cem metros de distância, então talvez comecem a perceber o que os pastores sentiram, com uma diferença: ao ver a tempestade, vocês certamente esperavam que acontecesse algo de inesperado e grandioso, enquanto que aqueles homens não tinham qualquer motivo para suspeitar que aquele turno da noite seria diferente das centenas de outros que já tinham passado naqueles campos.
E agora ali estavam eles, com os cabelos em pé, com o coração a bater como um louco e com os joelhos a tremer. O que lhes diz este brilhante visitante? A Bíblia diz que o anjo exclamou: "Não temais ... ". Mas esta tradução que conhecemos não transmite o sentido exacto do que aqui é dito. Na realidade, as primeiras palavras do anjo dirigidas a estes trabalhadores nocturnos aterrorizados foram: "Deixem de estar atemorizados!"
Talvez vos pareça uma diferença insignificante, mas a primeira expressão implica que não há razão para temer, que o temor não tem fundamento e é uma insensatez, enquanto que a segunda expressão reconhece que o temor é o resultado natural do encontro de homens e mulheres vulgares com a espantosa glória do Senhor. Na verdade, o anjo está a dizer: "Paz, podem deixar de sentir temor!"
Pormenores como este ajudam-nos a ter uma melhor teologia, porque a teologia é, simplesmente, um resumo da nossa compreensão de Deus. Quando reconhecemos que Deus não nos critica por sentirmos medo, não nos chama nomes, nem diz que somos loucos, estamos mais dispostos a ouvir as boas novas que Ele e os Seus mensageiros trazem. Deus sabe que não somos as torres de confiança e de poder que muitas vezes fingimos ser. E, por isso, as Suas primeiras palavras para nós são sempre palavras de calma e confiança: "Meu filho/a, já não precisas de sentir temor!"
Há uma lógica profunda no facto do anjo reservar tempo para acalmar os temores daqueles homens assustados, antes de lhes transmitir a sua mensagem.

Já alguma vez tentaram comunicar uma coisa de vital importância a uma pessoa e descobriram que ela só conseguia ouvir o barulho dos seus joelhos a bater um no outro? Se queremos que uma mensagem importante seja ouvida e compreendida, temos de entender que os temores, os preconceitos e as ansiedades podem fazer com que uma pessoa fique tão surda como se o fosse de nascimento.

Também me sinto fascinado pelo facto de o anjo ter falado numa linguagem que aqueles pastores podiam entender. Não sei qual é a língua que se fala no Céu, mas quase que aposto que não é aramaico, que é a língua que, provavelmente, aqueles pastores falavam. Também tenho algumas dúvidas de que o inglês seja a língua preferida nas cortes celestiais. O que importa é que quando Deus decidiu comunicar as maravilhosas boas novas do nascimento do Seu precioso Filho, aceitou fazê-lo numa linguagem que os ouvintes podiam entender. Não escolheu o latim, a língua da lei, do comércio e do governo. Não escolheu o grego, a língua da poesia, da educação e da cultura. Não. Escolheu transmitir as boas novas numa língua bastante deturpada, falada, sobretudo, pelas pessoas vulgares da Palestina - os agricultores, os pescadores, os cobradores de impostos, os carpinteiros, os pastores.

Mais uma vez vemos até que ponto a Palavra de Deus se adapta às limitações da nossa humanidade. As outras grandes religiões do mundo estão cheias de lendas de deuses que pronunciam frases ininteligíveis e estranhas que devem ser interpretadas ou traduzidas, decifradas, pelos seus seguidores, antes de chegarem à verdade. Mas o cristianismo afirma ser a religião de homens e mulheres vulgares, porque Jesus Cristo nasceu no mundo como um bebé vulgar.

A Palavra que vem de Deus é apresentada numa língua que podemos entender; está cheia de histórias de homens e mulheres como nós; é clara e directa, não misteriosa. Pode ser entendida pelos maiores pensadores do mundo e também por aqueles que ainda não sabem ler nem escrever. Deus aceita transmitir a mensagem que precisamos na língua que podemos entender.
E que mensagem é essa? Que verdade poderia ser tão importante que nada impedisse Deus de a fazer ouvir aos ouvidos surdos da humanidade e de a fazer entender às mentes obtusas dos seres humanos? Que notícia poderia ser tão maravilhosa que tivesse que ser anunciada às primeiras pessoas que se pudessem encontrar, ainda que fossem sonolentos pastores a meio de um turno da noite? Simplesmente esta: "Na cidade de David, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor." (Lucas 2:11).

A  MELHOR  NOTÍCIA

Há melhores notícias nesta simples frase do que em todos os jornais de 2006 juntos. Mas acho que é uma fraca comparação, porque os jornais vendem, sobretudo, por causa das más notícias que vão pelo mundo. Há melhores notícias neste anúncio do anjo, do que se amanhã de manhã saísse uma notícia em que fosse dito categoricamente que tinha sido descoberta a cura para a SIDA e para o cancro, que tinha sido assinado um tratado de paz permanente, que todas as armas nucleares e convencionais tinham sido destruídas, que a pobreza e a doença tinham sido vencidas e que o desemprego e a fome tinham sido banidos - tudo num só dia! Porque, embora as pessoas deste mundo cheio de sofrimento precisem de alimento e de saúde, de paz e de riqueza, precisam ainda mais de outra coisa: Precisam de um Salvador.

Precisamos de um Salvador que consiga enfrentar problemas muito mais profundos do que os que podem ser discutidos nos editoriais dos jornais ou nas notícias da noite; problemas que torturam a nossa mente mesmo quando há trabalho suficiente para todos e alimentos para matar a fome.

1 - Ao avançarmos para um novo ano, somos forçados a admitir que o mundo não precisa de um novo filósofo, mesmo que seja grande. Já houve muitos grandes mestres na história do mundo, e já nos deram todas as orientações que possamos desejar. E não precisamos muito de qualquer luz nova que um filósofo nos possa trazer. Como disse Mark Twain (dizem): "Não estou muito interessado em descobrir uma nova luz. Já me é muito difícil viver de acordo com a luz que já tenho." Não precisamos de outro filósofo. Só precisamos de um Salvador.

2 - E o mundo não precisa de mais um conselheiro, que nos diga onde investir o nosso dinheiro ou o nosso tempo, durante o novo ano. Já temos demasiados conselheiros no mundo, desde os sérios e competentes que nos aconselham acerca de Wall Street, até aos de pacotilha das colunas astrológicas dos jornais. Não, o mundo não precisa de outro conselheiro. Apenas precisa de um Salvador.

3 - E o mundo também não precisa de outro magnata dos negócios, para encher os seus cofres à custa do trabalho e do suor de homens e mulheres trabalhadores, para depois entregar uma parte ínfima desses proventos a uma biblioteca escolar da vila. Não precisamos de multimilionários filantropos, que podem, de vez em quando, oferecer milhões para silenciar a voz daqueles que foram esmagados pela avareza, pela ganância e pelo poder industrial. O mundo não precisa de mais magnatas. Apenas precisa de um Salvador.

4 - E o mundo não precisa de mais políticos para nos guiarem na descida da escorregadia vereda da retórica e do compromisso. Não precisamos de grandes oradores, que podem incendiar-nos com visões de um brilhante e glorioso amanhã, mas que são tão impotentes como todos nós para mudar as coisas que causam a maior mágoa. Não precisamos de políticos, por favor. Só precisamos de um Salvador.

5 - E o mundo não precisa de mais um génio militar, porque o céu e a terra choram ao ver onde esses líderes nos levaram ao longo deste ano. Choramos por todos os mortos, de todas as guerras, que, ao longo deste ano, assolaram o nosso planeta. Não, por amor de Deus, não precisamos de mais um herói com o dedo em cima do botão que controla o nosso destino. Só precisamos de um Salvador.

E, segundo a antiga e conhecida história contada por Lucas, foi exactamente isso que recebemos naquela noite clara, há quase 2000 anos atrás - um Salvador. O Céu olhou para o nosso sofrimento, para a nossa dor, para o destroço que somos e para o nosso pecado, e viu que só um Salvador daria resposta às nossas necessidades. E foi isso que o Céu enviou - um Salvador.

E embora os filósofos e os conselheiros, os magnatas, os políticos e os soldados discutam acerca d'Ele, analisem a Sua vida, critiquem os Seus ensinos e estudem a Sua influência, foram sempre os homens e mulheres vulgares deste mundo que ouviram com mais alegria falar d'Ele: os homens e mulheres que conduzem os limpa-neves, que fazem funcionar as máquinas de injectar plástico, que ficam acordados à cabeceira das crianças doentes e que cuidam das pessoas idosas. Eles sabem na sua alma que o Salvador nascido no meio do turno da noite é o seu Salvador, que Ele não pertence, especialmente, aos adoradores nas grandes catedrais ou aos estudiosos nas grandes universidades. Não. Ele é o seu Salvador, e eles aceitam-n'O, ainda que todos os outros não o façam.

Essa é a razão de ser da alegria do Natal: não que possamos decorar a nossa casa com dezenas de luzes coloridas ou encher a nossa sala com dezenas de presentes, mas que o Senhor do Céu e da Terra entrou na vulgaridade da nossa vida para ser o nosso Salvador, do pecado e do egoísmo. É por isso que, em cada Natal, um cântico se eleva do coração de milhares de homens e mulheres redimidos, para se unir ao cântico dos anjos. Quando descobrimos que a vida na Terra pode ser algo mais do que uma curta existência de sofrimento entre o berço e a sepultura; quando aprendemos que a vida humana pode ser cheia de possibilidades e de alegria, apegamo-nos às palavras do hino angélico: "Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens."

NA  NOSSA  PRÓPRIA  LÍNGUA

Quando eu andava na escola primária, parecia que todos os Natais me encontravam num daqueles coros de crianças vestidas de anjos, todo preparado para cantar no programa musical de Natal. Havia sempre a habitual variedade de músicas de Natal e de cânticos sacros, e, de vez em quando, uma ou outra jovem professora mais amável tentava fingir que tinha ouvido as vozes cantar em uníssono.

Mas havia sempre uma coisa que me intrigava: Uma vez que nenhum programa de Natal terminava sem que cantássemos aquela música, que exigia muito fôlego e que terminava com 'Gló-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ri-a in excelsis Deo', o que queria dizer 'in excelsis Deo'? Alguns professores tentavam explicar a forma correcta de pronunciar a expressão, mas nunca nenhum deles deu a explicação do significado. Era apenas mais uma daquelas frases de adultos que as crianças tinham que aprender para entrar no mundo dos adultos. Eu incluía-a na lista onde já tinha 'Por favor' e 'Desculpe'.

E então, um dia, durante o programa, descobri que o significado era 'Glória a Deus nas alturas', e que, sem saber, tinha cantado latim durante todos aqueles anos. Portanto, o cântico sempre tinha tido um significado, que eu nunca tinha percebido até o ouvir cantar na minha própria língua.

Creio que esse é o âmago da antiga história. Sempre teve um significado, um profundo significado ao longo de todos estes anos. Mas só quando a ouvimos na nossa própria língua, só quando vimos que o bebé que nasceu naquela noite é o grande Deus do Universo que desceu para viver com homens e mulheres vulgares como nós, é que a vamos compreender. Só quando virmos o Jesus que nasceu a meio do turno da noite é que estaremos prontos para confiar n'Ele como Salvador e para Lhe entregarmos a nossa vida - vida vivida com suor e sofrimento, alegria e esperança, e trabalho, sim, mesmo com o trabalho no turno da noite.

Esse é o Senhor que nós anunciamos no Natal, a Palavra que se fez carne e que habitou entre nós, cheio de graça e de verdade. E, juntamente com milhões de cristãos vulgares em todo o mundo, oro com todas as fibras do meu ser pelo dia em que os reinos deste mundo passarão a ser os reinos do nosso Senhor e do Seu Cristo.

Bill Knott - Editor Associado da Adventist Review - 2006



Pode escutar o cântico referido, na nossa própria língua, em
Links 5M. - (Natal) - Surgem Anjos Proclamando